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Bruno Tolentino foi um dos maiores poetas da língua portuguesa. Tive o privilégio de o conhecer e de ter aulas consigo, pouco antes de seu prematuro falecimento, em 27 de junho de 2007. Os livros de Tolentino são difíceis de ler; embora escritos com uma elegância inigualável e com uma beleza estonteante, estão repletos de referências às maiores obras da humanidade, de maneira que, para conseguir ler um só dos livros dele, precisamos ter lido muitos outros.

Comecei, certa vez, a ler um dos livros – digamos – mais fáceis de Tolentino: A balada do cárcere, que foi escrito quando nosso poeta andou preso na Inglaterra, em virtude do vício que raptou por um período este gênio brasileiro. O primeiro poema me marcou profundamente, pois fala justamente do que é a prisão e dos homens que ali estão, sobretudo, fala das almas destas pessoas. Diz ele no prelúdio:

“Amadureci aos poucos,
cresci muito devagar
como os álamos e os loucos
e acabei indo morar
na Casa dos Homens Ocos,
um charco pardo ao luar
entre o tempo morto, os roucos
rugidos do vento e o mar.

Lá se vive sem querer;
lá ouvi uma elegia;
dou-a aqui tal qual ouvi-a

ao cair do entardecer
sobre a charneca vazia,
os pântanos que há no ser.”.

A imagem de homens ocos, que vivem sem o querer, e nos permitem ver os pântanos que há no ser, esta imagem triste e verdadeira se impregnou em mim. Quem já visitou uma cadeia, este lugar para onde vão aqueles que descumprem os deveres que têm para com seus semelhantes, deve saber que a imagem acima é bastante precisa.

Quando cheguei a esta comarca, fui fazer minha primeira visita à cadeia pública feminina que aqui temos. É um lugar pequeno, com algumas poucas reclusas, todavia, bastante precário. Impressionou-me, inicialmente, a escuridão que ali havia: as paredes escurecidas pelo tempo e o teto enegrecido por um incêndio fustigado anos atrás em uma rebelião impediam a pouca luz que existia de se propagar. Tentando cumprir nosso dever e com a ajuda do poder público municipal, conseguimos um pouco de tinta branca e as presas, contentes por terem um afazer, transformaram elas mesmas aquele local em uma paisagem melhor. Não é bonito, é verdade, como dificilmente será uma cadeia. Porém, é um lugar mais digno, com certeza.

Mensalmente, quando lá chego para checar as condições do lugar e de suas ocupantes, recebo relatos de diversos itens que faltam: materiais de higiene pessoal e para limpeza, roupas, cobertores, colchões, enfim, falta bastante do pouco que é necessário para elas. Muitas estão lá por decisão deste mesmo juiz, pois a compaixão pelo sofrimento alheio não diminui em nada o rigor na aplicação da lei.

Talvez um leitor, ao fim deste relato, pense de imediato na falha do poder público, na culpa de autoridades, na falência do estado. É um pensamento comum e tem lá sua parcela de razão. Porém, caro leitor, a grande pergunta moral que devemos nos fazer é esta: o que você pode fazer pelo próximo? Se você puder fazer uma doação, dar de bom grado um cobertor, uma peça de roupa em bom estado, comprar uma escova de dentes, um detergente, por que deixaria uma mulher, uma semelhante, sem a sua ajuda?

A comunidade de Cesário Lange pode e deve se organizar para auxiliar as mulheres que estão reclusas na cadeia pública. São pessoas que estão privadas de sua liberdade, mas que contam com a sua compaixão para recuperar a própria dignidade. Quem sabe, o sentido deste gesto generoso de sua parte não desperte em alguma delas o desejo de crescer, de amadurecer e de mudar de vida. O fundo social de nossa cidade e o fórum são locais que podem receber a sua doação, que será encaminhada para quem precisa. Cumprir nosso dever, eis o primeiro sinal de que somos realmente pessoas de valor.

João Guilherme Ponzoni Marcondes, juiz de direito da Comarca.

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