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Consolação da Filosofia é uma encantadora obra filosófica de amor à vida, escrita na prisão por Boécio, nascido em Roma no ano de 480 e falecido em 524 na cidade de Ravena, enquanto aguardava a execução de sua pena de morte por suspeita de traição a Teodorico, rei dos ostrogodos, a quem servia como ministro. Essa suspeita decorreu da sua defesa do senador Albino, considerado traidor por suspeita de urdir secretamente com o imperador de Bizâncio a queda de Teodorico. Para entender o sentido dessa traição é necessário destacar que O Império romano do ocidente foi conquistado pelos ostrogodos, enquanto o Império romano do oriente continuava governado por imperadores representantes das tradições culturais latinas. Embora dominado pela dinastia ostrogoda, o Império romano continuava administrado segundo as leis romanas, e cidadãos romanos ilustres compunham o conjunto das instituições públicas regidas pelas tradições do Direito latino. Esta dominação persistia porque os ostrogodos não possuíam uma formação cultural suficiente para gerenciar os negócios públicos do império romano, e Teodorico, consciente dessa deficiência do seu povo, mantinha a população ostrogoda distante do poder, alojada como senhores feudais em suas propriedades agrícolas. Como a divisão do Império romano em duas vertentes, a ocidental em Roma e a oriental em Bizâncio, era considerada transitória, as tramas secretamente urdidas entre romanos e bizantinos visando a nova unificação imperial, constituía um perigo para a estabilidade do poder dos ostrogodos. Teodorico estava sempre alerta a qualquer indício de uma possível conspiração para destituí-lo, e um mínimo movimento de possíveis conspiradores desencadeava processos muitos dos quais resultavam em penas severas, como as decisões que motivaram a condenação à morte de Boécio.
Na prisão, Boécio suportou as mais duras torturas amparado pela sua vasta cultura, formada ao longo de sua vida através de leituras e estudos contínuos. Vivendo em uma época de transição, em que a sociedade estava polarizada entre a tradicional cultura clássica, em sua fase decadente, e a ascendente cultura cristã, Boécio nutriu-se dessas duas fontes culturais. Da cultura clássica conheceu suas principais vertentes, movidas pela Filosofia construída pelos gregos e incorporada pelos romanos. Da iniciante cultura cristã, buscou na Teologia os meandros de suas polêmicas típicas de uma cultura iniciante, e incorporou os princípios dessas duas culturas antecipando as futuras sínteses que as teologias medievais posteriormente produziram. A Igreja católica reconheceu Boécio como um autor cristão, embora em sua obra prima ele aceitasse o seu destino consolando-se através da Filosofia grega e não da Teologia cristã. Realmente, Boécio deixou evidente no título de sua obra um consolo filosófico considerando a Filosofia de inspiração grega um princípio suficiente para a aceitação serena de sua condenação. De formação cultural clássica, Boécio utiliza-se dos recursos dessa cultura para escrever um livro emocionante, sereno e equilibrado como requeria a sua formação. Ao longo da obra, a consoladora Filosofia demonstra a Boécio como a Roda da Vida, um conceito angular da filosofia grega, envolve os indivíduos em ciclos constantes que se repetem, colocando-os ciclicamente no ápice ou no declive da existência. Movida pela sedutora deusa Fortuna, a roda da vida atraía os viventes para seus ciclos devoradores e transformava-os em vítimas dos seus caprichos, ao proporcionar-lhes glórias seguidas de desgraças. Para evitar essa armadilha da Roda da Vida, a Filosofia proporcionava aos viventes os conhecimentos necessários para o entendimento de sua dinâmica, conduzindo-os à prática da Virtude, ensinada pelas várias escolas filosóficas produzidas pela civilização grega, como a epicurista, a hedonista ou a cética, herdeiras das variantes fontes socráticas. E através de uma vida virtuosa, substanciada pela Filosofia, o indivíduo escaparia das oscilações da Roda da Vida e atingiria um elevado nível de compreensão da existência, vivendo sem deixar-se tragar pelos caprichos da deusa Fortuna. Consolação da Filosofia produziu ao seu autor a consolação necessária para enfrentar a morte com serenidade, ao demonstrar-lhe que a morte é a continuidade da vida, ou seja, de que morremos como vivemos. E a serenidade de Boécio enquanto viveu na prisão essa difícil transição foi uma continuidade de sua vida serena e pacificada diante da compreensão de que as tormentas e os enigmas da vida devem ser vividos estoicamente, como requerem tanto a Filosofia grega como a Teologia cristã. Atualmente, a leitura dessa obra encanta o leitor moderno pelo estilo clássico de expor os andamentos de uma contradição. É um estilo literário cadenciado, lento e severo sem se preocupar com a Roda do Tempo, bem diferente do teor das argumentações das obras literárias modernas, cadenciadas pelo ritmo apressado e alucinante da sociedade contemporânea. É um convite também aos viventes da nossa civilização cristã, acostumados às consolações ensinadas pelo cristianismo, para que busquem as superações de seus conflitos existenciais através da Consolação da Filosofia. Talvez, então, o cristão encontre na Consolação da Filosofia um caminho paralelo ao de suas crenças cristãs, pois esta obra é um exemplo de como o cristianismo incorporou parcelas significativas da Filosofia grega, principalmente as de origem platônica.

 

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