Nesse ano, a peste bubônica matou de 1/3 a metade da população de Londres. Conheça a história da doença neste artigo do dr. Drauzio Varella.
Nesse ano, a peste negra invadiu Londres. Quando a epidemia arrefeceu, de um terço à metade da população havia sucumbido.
Para impedir que os corpos fossem abandonados nas ruas e oferecer a oportunidade de funerais cristãos à tanta gente, Ralph Stratford, bispo da cidade, construiu dois cemitérios novos que funcionaram apenas durante a epidemia.
No auge da devastação, eram realizados 200 sepultamentos por dia nessas localidades. Apesar da pressa em enterrá-los, todos os corpos eram dispostos na direção leste-oeste, cobertos de carvão, provavelmente depositados com a finalidade de absorver os fluidos que os antigos imaginavam responsáveis pela transmissão da enfermidade. A urgência e a falta de espaço obrigavam empilhá-los uns sobre os outros na mesma cova.
Situados em East e em West Smithfield, áreas hoje soterradas sob edifícios modernos no distrito financeiro da cidade, esses cemitérios foram escavados nos anos 1.980. Os arqueólogos resgataram 800 esqueletos, número correspondente a um terço dos que jazem no local.
A peste negra teve origem no oeste da Ásia. Nos tempos de Justiniano, no século sexto, entrou por Constantinopla e se espalhou pela Europa e pelo Oriente Médio. Nos dois séculos seguintes, os surtos se sucederam impiedosamente. Depois, embora com menor frequência, ressurgiram até chegar ao século 19.
Bocaccio, no Decameron, assim descreveu o quadro clínico da doença: “De início, ela se manifesta pela emergência de certos tumores nas axilas ou nas virilhas, alguns dos quais crescem até atingirem o tamanho de uma maçã, outros o de um ovo”.
Em 1894, Alexander Yersin identificou a Yersinia pestis, causadora da peste bubônica. De início, a bactéria foi apontada como agente etiológico da peste negra e de outras catástrofes epidêmicas.
Mais recentemente, no entanto, surgiram dúvidas, porque as epidemias de peste bubônica, no século passado, foram menos mortais e se disseminaram mais devagar do que aquelas de peste negra. Bocaccio relata que a morte ocorria três dias depois dos primeiros sintomas, eventualidade rara na peste bubônica. Um vírus como o ebola ou a bactéria causadora do antrax provocariam enfermidades mais semelhantes.
A partir de 2.000, pesquisadores europeus tentaram recuperar o genoma da bactéria causadora da peste negra, nos dentes de esqueletos de pessoas que teriam morrido da doença. A tarefa tem sido árdua porque separá-la das provenientes do solo é como encontrar agulha no palheiro.
Depois de muita controvérsia, foram identificadas sequências de DNA da Yersinia pestis, em diversos ossos enterrados em East Smithfield. A descoberta mostrou que a responsável pela peste bubônica também esteve envolvida nas epidemias de peste negra. A Yersinia pestis dos tempos modernos teria emergido por mutações ocorridas no século 14, enquanto a peste negra assolava a Europa.
O genoma da Yersinia moderna sofreu poucas mutações nos últimos 660 anos. Nenhuma de suas características, entretanto, consegue explicar por que seus ancestrais eram tão virulentos.
Há muito interesse em modificar os genomas das espécies atuais para ressuscitar o da bactéria da peste negra. Não há perigo porque essas pesquisas são realizadas em laboratórios acadêmicos de segurança máxima. Ainda que ocorresse alguma infecção acidental, a peste negra seria facilmente curável com antibióticos.
A bactéria da peste negra trazida para a Europa pelos soldados que retornavam do Mar Negro, teve aliados importantes: a desnutrição, o frio e o clima úmido. É possível que não tenha sido espalhada apenas pelas pulgas dos ratos, mas também por outros animais.
Assim como a gripe espanhola que matou 100 milhões de pessoas contou com a ajuda de bactérias causadoras de pneumonia, é possível que outros agentes tenham cooperado com o da peste negra.
Os métodos de sequenciamento de DNA hoje disponíveis permitem conhecer os agentes etiológicos das epidemias do passado, suas relações evolutivas com os patógenos atuais e com aqueles que provocarão as epidemias do futuro.
Como diz Ewen Callaway, na revista “Nature”: “Epidemias catastróficas são a regra na história humana, não as exceções”.