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Somente os pensadores mais argutos conseguem visualizar as razões ocultas que abalam a tranquilidade de uma determinada sociedade, enquanto a maioria da população sente esses abalos, mas não identifica suas causas, nem apresenta soluções possíveis para a crise decorrente dessa intranquilidade. Toda sociedade tem uma dinâmica própria, coerente com a lei do movimento ou da mobilidade da vida, e de tudo que compõe o universo. Neste espaço considerado infinito, as leis que regem seu movimento são mais estáveis. As leis do movimento universal, descobertas por Newton, regem o equilíbrio do universo, mas não impedem sua expansão contínua, como descobriram nossos contemporâneos cientistas. Em nosso diminuto planeta, a vida evoluiu a partir de bilhões de anos, e desde então multiplicou-se através de mudanças constantes, produzindo seres vivos cada vez mais complexos e adaptáveis à evolução planetária. Produto dessa evolução, a humanidade precisou de milhões de anos para chegar ao nível atual de desenvolvimento, e tudo parece indicar que, se não destruirmos antes o planeta, nossos descendentes viverão em uma sociedade permeada pelas ciências e pela tecnologia. As crises da nossa sociedade decorrem dos conflitos inerentes a toda mudança de valores sociais, no bojo da qual opõem-se os sistemas de pensamento antigos e os modernizantes. A atual sociedade interpreta-se através da visão de mundo fornecida pelas nossas origens ideológicas oriundas da religião hebraica e da filosofia grega, que ao longo da história ocidental mesclaram-se para a formação espiritual do ocidente. O peso da tradição dessa cultura mantém-se como pano de fundo das mudanças culturais que o ocidente recebeu principalmente a partir do Renascimento ocorrido no início do período moderno, e que desencadeou movimentos de novos sistemas de pensamento, resultantes da evolução da modernidade, como o liberalismo, a democracia e o socialismo. Mas até o século 19, as tradições culturais do ocidente se conciliaram com esses movimentos culturais renovadores, e suas contradições permaneceram latentes e até conciliáveis. Todavia, quando o capitalismo industrial liberou a agenda cultural do ocidente para pensadores portadores de uma visão racionalista do mundo mais radical e contestadora das tradições ideológicas dominantes, ficou evidente a oposição entre estas tradições e as novas concepções resultantes da formação de uma nova sociedade urbana, industrial, tecnológica e racionalista. Como conciliar Marx, Darwin, Freud, Nietsche, os pintores modernistas, a filosofia existencial às interpretações tradicionais do mundo e da vida, alicerçadas nas tradições hebraicas e metafísicas da filosofia grega? Quando Marx destacou que “tudo o que é sólido desmancha-se no ar”, desenhou as transformações e os conflitos estruturais que ocorrem atualmente na sociedade ocidental, mas para o cidadão comum são visíveis apenas as fumaças saindo pela chaminé, que sinalizam a existência da fornalha em ebulição. Então, entre atônita e desprotegida, a maioria da população busca abrigo e consolo nas tradições culturais da sociedade ocidental. Mas este abrigo não consola plenamente o homem comum, pois em seu dia a dia, é impulsionado a viver de acordo com as exigências da sociedade dominante, que mediante a sua visão consumista, requer do cidadão uma vida dedicada ao trabalho alienante nas empresas, e sacrificado à vontade induzida no inconsciente de cada um de que é preciso ter mais, sempre um pouco mais para alcançar a felicidade.

Estamos provavelmente passando por uma das mais ardilosas encruzilhadas produzidas ao longo da vida civilizada, que exige de nós uma decisão ousada, pois a atual sociedade industrial e tecnológica impõe cada vez mais um padrão de vida alucinante e diferenciado das sociedades pretéritas, até recentemente centradas em uma economia rural, compatível com as tradições culturais formadas ao longo da vida civilizada. Mas nossa civilização urbana, industrial e tecnológica é ambígua em sua expressão cultural, pois se convive mesclada com os valores culturais antigos e modernos, na prática os alija para o mundo ideológico imaginário do cidadão, já que incentiva a coletividade a cultivar no cotidiano a paixão pelo consumo indiscriminado. E para desatar esse nó górdio, e proporcionar à humanidade uma vida feliz, é fundamental recorrer a uma síntese renovadora das duas culturas que cultivamos, acoplando valores tradicionais e modernos em uma nova visão de vida e de mundo racionalista e humanizada, denominada humanismo contemporâneo, que coloque o “homem como a medida de todas as coisas”. Talvez, então, profetas, filósofos e cientistas se confraternizem em nome da Razão, em benefício do Homem, e por uma Vida pacificada.

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