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Regina Duarte é uma atriz consagrada, pois sua verve é interpretar. Jamais poderia desempenhar satisfatoriamente sua função de secretária da Cultura porque este órgão de governo federal requer um burocrata centrado em seus labirintos, diferenciado do mundo cênico, onde a realidade surge em uma dimensão mais ampla, e cede espaços à consagração do imaginário. O ator talentoso identifica-se com a vida teatralmente interpretada, e se interpreta a si próprio ao viver no cotidiano, ou seja, distante do palco e despojado de um personagem, interpreta-se a si mesmo. Na secretaria da Cultura, a atriz Regina Duarte interpretou uma secretária de Estado, isto é, um personagem inserido nos estreitos limites dessa repartição pública, em um palco improvisado , onde o diretor da peça é o presidente da República, e os demais autores são burocratas sem imaginação, fieis aos artigos e incisos das regras oficializadas. Estranha e perdida neste espaço burocrático, a atriz Regina Duarte suportou por um mês a solidão existencial decorrente de sua ingênua tentativa de levar o palco para uma repartição pública, cuja função é estimular a cultura, mas funciona nos limites de um suporte financeiro da vida artística., e no atual governo é dominada por burocratas que pretendem transformá-la em um veículo de propaganda da confusa ideologia oficial. A saída de Regina Duarte foi dramática como uma peça teatral, e colocou o holofote na contradição entre duas esferas públicas que atuam em dois espaços antagônicos da sociedade: o esvoaçante e lúdico mundo artístico e o hermético e contido órgão de governo. E desperta a inevitável pergunta: ao financiar a cultura, o Estado tem autoridade para tutelar suas livres manifestações, e canalizá-las como serva de uma ideologia oficial? Quando governos mais democráticos incentivam a cultura através de recursos legais e financeiros, a relação cordial entre essas esferas públicas mantém-se em equilíbrio, mas quando surgem governos de tendência autoritária, como é o governo de Bolsonaro, esse equilíbrio é ameaçado, pois a cultura se identifica com a pluralidade, e quando tutelada a uma ideologia governamental perde seu viço criativo. Apesar de seus afagos dirigidos ao presidente, Regina Duarte não o comoveu, nem impediu que Bolsonaro continuasse fiel ao grupo ideológico reacionário que comanda atualmente a secretaria da Cultura, pois seus representantes visualizam no artista um agente da diversidade cultural, responsável pela divulgação da liberdade, considerada a porta do anarquismo . Nessa disputa entre a cultura e a mordaça, venceu a cultura, pois a saída de Regina Duarte do cargo de secretária demonstrou à sociedade que a pluralidade cultural é incompatível com a violência do poder, mas sobrevive sempre que é ameaçada. Em sua despedida, involuntariamente Regina Duarte demonstrou essa capacidade de sobrevivência da cultura, pois interpretou uma secretária da Cultura demissionária nos moldes de uma peça teatral. Não foi uma saída protocolar de uma secretária, mas de uma atriz que interpretou mais um personagem em sua longa carreira de atriz, e contracenou com um coadjuvante involuntário, um presidente da República que nos faz lembrar de algumas novelas notáveis da Globo, reveladoras de como um governante pode se transformar em aspirante a dono do poder. Mas esse triste episódio revela dramaticamente o atraso estrutural do Brasil: Em pleno século 21, o Brasil tem um governo cuja trajetória é semelhante às trajetórias dos regimes autoritários prevalecentes nas décadas 20 e 40 do século passado, em países como a Alemanha, a Itália, União Soviética e Espanha, que assumiram o poder através do voto popular, mas ao exercê-lo gradativamente mostraram sua verdadeira face. E como aconteceu naqueles governos, aqui também uma das estratégias iniciais para tutelar a sociedade é amordaçar a cultura. Mas devido à sua formação histórica, o Brasil é um país multicultural, resistente às tentativas governamentais de tutelamento, que vagarosamente constrói uma sólida democracia suficientemente forte para resistir aos caminhos pretendidos por alguns seguimentos atrasados da nossa sociedade, adeptos dos regimes autoritários. E devido a essa diversidade cultural, o drama vivido pela secretária da Cultura Regina Duarte será novela de televisão, interpretada pela atriz Regina Duarte. Ou seja, a cultura prevalecerá à mordaça.

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