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Ciência e religião são as duas concepções de mundo vigorantes na sociedade contemporânea. Ambas surgiram nas mais remotas sociedades primitivas e evoluíram lentamente em cada fase da sociedade integradas ao conjunto da estrutura cultural dominante, proporcionando ao homem uma visão de mundo de acordo com o nível mental coletivo predominante. Nas sociedades primitivas eram coesas, e se integravam para proporcionar uma interpretação animista da vida aos primitivos, expressa através de uma simbologia de conteúdo mágico e animista, cujo conhecimento era dominado pelos pajés ou xamãs, que sabiam como entrar em contato com as forças ocultas da natureza. Devido aos seus conhecimentos especializados, estes personagens singulares exerciam a dupla função de sacerdote e cientista, uma unidade estrutural que posteriormente se rompeu, com a passagem da sociedade primitiva para a sociedade agrária antiga sedentária, dividida em classes sociais. Nesta fase da evolução histórica da humanidade, a exclusividade da interpretação do mundo pelo pajé ou xamã começa a sofrer a concorrência dos filósofos e cientistas, cujas áreas específicas estavam ainda imprecisas, havendo muitos filósofos que dedicavam-se à ciência e cientistas que tratavam de problemas filosóficos. Por sua vez, aos primitivos pajés permaneceu a função religiosa de interpretar o mundo não mais através do animismo primitivo, mas através de mitologias dotadas de certo sentido lógico. Trabalhando nos templos, esses sacerdotes também dedicavam-se à investigação da natureza, e através desta atividade sistemática, contribuem para a evolução das ciências físicas na sociedade antiga. Principalmente nas sociedades orientais e do oriente médio, florescerá este sincretismo cultural, praticado nos templos, e contribuirá para a passagem da religião animista dos primitivos para as religiões politeístas dos impérios antigos. Aliados às monarquias absolutistas predominantes nessas civilizações, os sacerdotes solidificam as religiões politeístas, e aprofundam as pesquisas científicas nos templos, possibilitando o desenvolvimento embrionário de ciências como a geometria, a astronomia e a física.
Na Grécia antiga, essa evolução seguiu outro caminho, pois a religião politeísta grega assumiu um conteúdo antropomórfico, ou seja, seus deuses eram personagens humanas imortais e ampliadas, dotados das mesmas manifestações intelectuais e sentimentais humanas, pouco preocupados com o destino do homem após a sua morte. Tal caminho, que não estimulou o surgimento de preocupações teológicas na religião grega, possibilitou o desenvolvimento da filosofia, que se estruturou como o campo da investigação da realidade através da razão independente do raciocínio mitológico, até então prevalecente nas sociedades primitivas e antigas. Essa postura racional da filosofia grega gerou principalmente duas escolas filosóficas -a platônica e a aristotélica- fundamentais para o desenvolvimento da ciência e da religião em nossa sociedade, pois Platão e Aristóteles contribuíram significativamente para a construção do cristianismo medieval, e posteriormente para os caminhos do racionalismo científico no ocidente durante o período moderno e contemporâneo da nossa civilização.
Vertente do judaísmo, uma religião messiânica sem sólidas preocupações teológicas, o cristianismo buscou nas filosofias de Platão e Aristóteles a sua fundamentação teológica, possibilitando o surgimento de suas duas teologias predominantes no período medieval, erigidas por Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, sem as quais não sobreviveria na sociedade ocidental, permeada pelo raciocínio filosófico produzido pelos gregos. A divulgação do pensamento de Aristóteles, além de gerar a teologia tomista, contribuiu também para divulgar a física aristotélica nas universidades europeias surgidas no ocidente a partir do século 13. Esse conhecimento possibilitou ainda uma visão crítica da física qualitativa de Aristotélica, defensora do geocentrismo, que colocava o planeta Terra no centro do universo, orbitada pelos demais astros, e através da qual desenvolveu-se a física quantitativa de Copérnico, denominada heliocêntrica, que colocava o Sol como o centro do universo, e a Terra orbitando em torno desse astro. A teoria de Copérnico gerou polêmicas infindáveis entre adeptos e adversários do heliocentrismo, que contribuíram para o desenvolvimento das ciências no ocidente, resultando desses debates sua independência da filosofia grega.
Durante o período medieval da história ocidental, a Igreja Católica conseguiu aprisionar a filosofia grega à teologia cristã, mas os estudos independentes dos filósofos gregos, desenvolvidos nas faculdades medievais, motivou o rompimento dessa dependência, e proporcionou à filosofia a tomada de rumos próprios, através do raciocínio lógico, aproximando-a das ciências nascentes no início da sociedade moderna. Por sua vez, a ciência, inicialmente atrelada à filosofia, consegue também sua independência e desenvolve-se desdobrando-se em inúmeras áreas de conhecimento. Sua consolidação em nossa sociedade, associada ao crescimento da tecnologia, proporcionou-lhe a condição de se tornar uma visão de mundo, ao lado da religião. A visão religiosa propõe um universo centralizado, tendo Deus como seu criador e fonte de toda existência neste espaço infinito e unidimensional, inalterável desde sua origem, e que garante ao homem sua eternidade, vivida em dois momentos, um transitório, passado aqui na terra, e outro eterno, vivido no paraíso. A visão de mundo científica concebe um universo em constante evolução cósmica, surgido através de sua própria dinâmica interna, no qual o homem é uma ínfima partícula, cuja existência é limitada a esta vida, mas uma partícula que proporciona significado a todo universo.

 

 

 

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