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Gilberto Radicce

Sou um racionalista e creio na vida. Essa crença formou-se ao longo da minha existência, através do acúmulo de sucessivas experiências que se opunham, mas resultaram sempre em superações de concepções formadas. Educado em uma família espírita, assimilei o espiritismo como primeira concepção de vida, admitindo a existência de espíritos que através de sucessivas reencarnações evoluem com espiritualidades purificadas pelas sucessivas vidas que tiveram. Para o espírita as vidas sucessivas de um espírito são aperfeiçoamentos espirituais constantes, atingidos através de sofrimentos contínuos, indispensáveis não só como pagamento de erros cometidos em vidas anteriores, mas também como lições que ensinam evitar o mal pela purificadora bondade. Mas esta confortadora visão espírita da vida, na prática é tormentosa, pois nas transições da vida, o Mal é mais atraente que o Bem, e conduz o espírito à corrupção, que requer novas reencarnações, e, portanto, novos sofrimentos retardadores do encontro com uma vida espiritual purificada no Além, onde os espíritos purificados poderão receber iluminações mais amplas e eternas, isentos de qualquer sofrimento.

Em concomitância com essa visão, desde minha alfabetização atraiu-me o mundo lúdico dos contos infantis, onde não há transcendências e mundos paralelos, como na concepção espírita. Nos contos infantis, o Mal, personificado pela bruxa malvada, anula-se no final dos contos, através da força do Bem, representado pela bondosa fada-madrinha, protetora da inocente menina. Ou seja, nos contos infantis, a luta entre o Bem e o Mal- resolve-se definitivamente nesta vida, sem a necessidade de pagamentos de saldos devedores através de vidas sucessivas. Dos contos infantis, passei à fase dos romances, primeiro aos de aventuras, posteriormente aos inspirados na investigação literária da realidade social. Já na adolescência, interessei-me por História, uma disciplina que requer interpretações nas quais as ideologias revelam-se como fontes condutoras fundamentais. Na transição do romance à História, foram fundamentais as leituras dos romances históricos de Paulo Setubal, Walter Scott, Alexandre Dumas, nos quais encontrei a alternativa às maçantes aulas de História do curso ginasial, cujos conteúdos detalhadamente datados exigiam mais a decoração do que o entendimento. E da imaginação típica dos romances passei à interpretação sociológica, que constituiu uma transição definitiva para a posterior compreensão dos fundamentos da dinâmica da dialética histórica, representada pela esquecida tradição filosófica de Heráclito, redescoberta na filosofia idealista de Hegel, e reinterpretada por Marx.

Este pensador conquistou-me de imediato, pois sua metodologia histórica e dialética de interpretar a História exclui a dualidade transcendental da vida, e demonstra que o sofrimento, a dor e a injustiça decorrem da exploração das minorias privilegiadas sobre a imensa maioria da sociedade, e que a superação dessas contradições depende da ação revolucionária dos deserdados do planeta. Essa visão de mundo conduziu-me ao enigma das razões que reforçam essa exploração do homem pelo homem ao longo da vida civilizada, e a resposta veio de Freud. Através da Psicanálise, compreendi como as ideologias dominantes depositam no inconsciente do indivíduo a cultura conservadora que reforça a dominação das minorias sobre as maiorias, sem que estas tenham consciência lúcida dessa exploração. E também através de Freud decifrei o enigma da mediunidade do espiritismo, ao compreender que os espíritos incorporados nos médiuns são impulsos inconscientes manifestados no consciente como espíritos dos desencarnados.

O racionalismo de Marx e Freud conduziu-me à visão racionalista de Darwin, o pensador que revolucionou a visão metafísica até então dominante na sociedade ocidental, ao demonstrar que a vida, tanto no planeta como no universo, é um longo processo evolutivo. Para robustecer minha visão de mundo sustentada por estes pensadores, interessei-me pelas artes e pela literatura, campos do conhecimento lúdico que definem a vida como arte. Como esta formação cultural racionalista identifica a vida como um processo evolutivo, percebi que viver segundo essa concepção requer do indivíduo a evolução do conhecimento que conduz a nossa liberdade interior, cada vez mais livre dos dogmas, do irracionalismo e das tradições metafísicas, responsáveis pela prisão da humanidade no cativeiro da ignorância satisfeita e da servidão consentida. Creio na vida, sabendo que ela é passageira, repleta de surpresas, isenta de eternidade, e cujos enigmas só podem ser solucionados através da Razão. Viver é um mergulho vertiginoso na sucessão do processo civilizatório.

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