Quem reclama da internet são os segmentos mais conservadores das autoridades tradicionais -Escola, Igreja e Família-, que até recentemente tinham o controle da vontade coletiva. Como estas instituições formadoras da opinião pública falavam a mesma linguagem e reproduziam valores similares, era mais fácil conseguir um consenso coletivo que moldava o conjunto da sociedade. Produto cultural da evolução científica e tecnológica dos nossos tempos, a internet introduziu um critério multilateral e prismático de apresentar à sociedade os múltiplos valores que a compõem, contrariando o critério autoritário e unilateral das autoridades tradicionais, que impunham à coletividade seus valores como os verdadeiros princípios capazes de proporcionar aos seus seguidores o caminho da retidão.
Em oposição a esse critério unilateral, a internet apresenta à coletividade tanto os valores culturais dominantes como os subjacentes, sem conduzir os indivíduos para este ou aquele caminho, mas proporcionando-lhes múltiplos conhecimentos que os capacitem à escolha mais livre de seus próprios caminhos na vida. Atuando desta maneira, a internet contribui para introduzir em nossa sociedade a plena liberdade de expressão para cada indivíduo decidir sobre sua própria vida, que é o fundamento da modernidade, pois a individualidade é o fator cultural decisivo para a atual etapa da civilização. Como a internet solidifica-se cada vez mais em nossa sociedade como formadora de opinião pública, as autoridades tradicionais ressentem-se com esse incômodo parceiro, criticando-o como fator de desagregação cultural e condutor de valores nocivos à coletividade. E como advertência máxima, afirmam que as crianças e os jovens são os mais vulneráveis à atuação desagregadora da internet, pois estes segmentos mais jovens ainda não adquiriram a solidez dos princípios corretos, que só as autoridades tradicionais podem proporcionar, para que em seguida escolham seus caminhos na vida. Mas este argumento é unilateral e autoritário, pois a educação promovida aos mais jovens pelas autoridades tradicionais foi sempre doutrinária e reducionista, exaltadora dos seus princípios, e crítica severa dos princípios que não aceitava. E através desta educação unilateral conduziam crianças e jovens a uma única direção na vida. A internet alterou esse critério de educação e informação, e indistintamente transmite aos seus usuários, independente de idades ou classes sociais, tanto os valores éticos e culturais dominantes como os subterrâneos, deixando a cada um a adoção do valor que melhor lhe servir. Quanto ao risco da assimilação dos valores considerados indesejáveis para crianças e jovens ainda sem formação suficiente para que tomem uma decisão correta ou definitiva em sua vida, as autoridades tradicionais precisam com urgência assumir uma postura menos unilateral em relação ao processo educativo da juventude. Como não podem mais evitar a livre exposição do reverso da medalha, ou seja, dos valores que consideram nocivos à formação cultural de jovens e crianças, precisam de uma nova estratégia educativa, através da qual dialoguem livremente com seus filhos, alunos ou seguidores mais jovens sobre as diversidades culturais dos tempos atuais, orientando-os sobre qual caminho é o mais conveniente para uma vida plenamente realizada. As autoridades tradicionais precisam evitar também a permissão indiscriminada da internet para jovens e crianças ou simplesmente sua proibição, pois essa nova autoridade formadora de opinião é consequência da evolução da nossa sociedade científica, tecnológica e cultural fomentada pelo desenvolvimento do capitalismo, e transforma-se cada vez mais no imprescindível pulmão desse sistema. E demonstra que as consequências das transformações sociais e culturais são imprevisíveis. A internet resulta da evolução dos sistemas de comunicação iniciados há mais de dois séculos: -os jornais, o telégrafo, a telefonia, e mais recentemente o rádio e a televisão. Se as sociedades pretéritas assimilaram essas conquistas, inevitavelmente o conjunto da nossa sociedade também assimilará a revolução cultural promovida pela internet. Então, quem reclamará da internet?