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A monarquia, que vigorou no Brasil de 1822 a 1889, esqueceu Tiradentes e a Inconfidência mineira, pois ambos eram republicanos. Quando proclamada, a República enalteceu Tiradentes como precursor e mártir da nossa independência, muitas vezes distorcendo a amplitude histórica dos inconfidentes, ao elevá-los à condição de líderes nacionais, em uma época em que a população colonial ainda não tinha consciência nacional. Muitos dos inconfidentes pertenciam às famílias dos mineradores que se enriqueceram com a exploração do ouro das Minas Gerais, e diplomaram-se pela Faculdade portuguesa de Coimbra, reestruturada pelo poderoso primeiro ministro, o Marquês de Pombal. Seguidor do Iluminismo, Pombal substituiu o ensino de orientação medievalista dos jesuítas que dirigiam essa tradicional faculdade, e introduziu o ensino baseado no racionalismo iluminista, que formou profissionais necessários ao funcionamento do Estado Absolutista instaurado em Portugal a partir do reinado de Dom José 1º. O Absolutismo foi um regime autoritário estabelecido em vários países europeus, protagonizado pelo poder absoluto dos reis, e que favorecia a prática mercantilista de economia nacional, liderada pela burguesia comercial em ascensão na Europa moderna. Influenciados pelas ideias iluministas ensinadas na faculdade de Coimbra, os brasileiros diplomados por essa instituição, quando retornavam à colônia portuguesa expandiam os ideais do Iluminismo entre um círculo restrito dos habitantes das regiões influenciadas pela mineração, mas descuidando de transmiti-los à população. Coincidindo historicamente com o período de decadência da exploração do ouro em Minas Gerais, rapidamente os ideais de liberdade inerentes ao pensamento Iluminista tornaram-se instrumento ideológico da forte oposição dos mineradores em relação à cobrança dos pesados impostos que a metrópole portuguesa taxou para essa atividade econômica. E através dessa junção, surgiu a Inconfidência mineira, de oposição ao colonialismo português, porém restrita às circunstâncias econômicas dos mineradores, sem expandir-se para outras regiões da colônia, como a nordestina. Ilhada na região mineradora, e sem um forte apelo popular devido aos preconceitos de classe dos inconfidentes seguidores da visão elitista do Iluminismo, a Inconfidência mineira restringiu-se a uma revolta de intelectuais desligados da população. Fragilizado e envolvendo em sua maioria intelectuais de vanguarda, o movimento inconfidente foi denunciado por alguns traidores às autoridades governamentais, que facilmente identificaram seus principais líderes e abafaram no nascedouro a conspiração. Mas a prática autoritária do governo português, ao martirizar os inconfidentes, através de penalidades rigorosas, valorizou esse movimento, proporcionando-lhe dimensões que na prática não continha. Muitos inconfidentes receberam penas de degredo prolongado em outras colônias portuguesas na África, suas famílias perderam suas fortunas, atolando na miséria, e outros receberam sentenças mais brandas, mas que na prática inviabilizaram a vida desses condenados. Mas foi o rigor na condenação por enforcamento de Tiradentes que motivou uma comoção popular na região das minas, e tornou a Inconfidência um fato histórico posteriormente incorporado pela consciência nacional. Com requintes de crueldade, a execução da pena de morte foi um espetáculo macabro, típico da Inquisição medieval. Executado em praça pública, foi precedido de um aparatoso ritual, com o condenado vestido de indumentária branca, desfilando pelas ruas da vila, e olhando fixamente para uma cruz nas mãos, até chegar ao tablado da forca, quando então morreu asfixiado. Em seguida, sua cabeça foi cortada e exposta em uma vara em praça pública, onde permaneceu até que inexplicavelmente desapareceu à noite, retirada por mãos incógnitas. E para completar a insanidade do governo português, seu corpo foi esquartejado, os pedaços salgados, e pendurados em vias públicas de outros vilarejos e cidades.

O martírio de Tiradentes transformou-o em herói nacional, uma auréola que se propagou como os círculos concêntricos formados em uma lagoa quando atiramos uma pedra na água: – inicialmente tornou-se um herói regional, mas em seguida esta fama difundiu-se por outras regiões da colônia portuguesa. Ofuscado durante a Monarquia, após a República firmou-se como herói nacional. Entretanto, entre os intelectuais inconfidentes, Tiradentes era considerado um personagem inculto para compreender as razões ideológicas do Iluminismo, consideradas o verdadeiro combustível da Inconfidência.

O julgamento histórico é prismático, e modifica-se de acordo com cada época, ou de quem julga um acontecimento. Tiradentes já foi nacionalmente glorificado durante grande parte do período republicano, e sempre associado ao patriotismo brasileiro. Mas nos tempos mais recentes, com o avanço da relatividade dos valores, seu heroísmo está um tanto desgastado. Entretanto, continua viva na consciência popular, a indignação contra a tortura à qualquer adversário de uma ideia. Se o motivo da monarquia portuguesa para assassinar Tiradentes foi a tão alegada Razão de Estado, é porque O Estado colonialista já perdera a Razão histórica, e mantinha-se dominador através da violência institucionalizada.

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