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O projeto anarquista de sociedade é radical porque opõe-se a qualquer sistema de exploração do homem pelo homem. E um homem explorando outro homem acontece quando alguém está a serviço de alguém, tutelado por uma legislação que privilegia o capital e explora o trabalho alheio. Em Roma, o patrício explorava o trabalho escravo, no sistema feudal o nobre explorava o trabalho do servo, e no capitalismo o patrão explora o assalariado. Mas essa evidência histórica é uma realidade oculta pelas fantasias das ideologias dominantes em cada período histórico. E munidas de suas próprias ideologias, em cada sociedade as classes dominantes justificam seu modo de exploração do trabalhador. Com a ascensão do capitalismo nos meados do século 19, os anarquistas desnudaram esses critérios de exploração do homem pelo homem, nivelando-os indistintamente à condição de sistemas desumanos que deveriam ser extintos para a humanidade atingir sua condição de humana. E, para atingir esta meta propuseram uma sociedade anarquista, ou seja, sem nenhum poder tutelar de alguém sobre alguém. E para atingi-la não se apresentavam como defensores de uma classe social –capitalista ou proletária- mas como agentes revolucionários da humanidade. Por essa razão, receberam críticas de liberais e comunistas, que respectivamente representavam o capitalista e o proletariado. E também foram repudiados pelos representantes do gradualismo reformista, que propunham etapas para a libertação do assalariado, até integrá-lo em uma sociedade que não evita um explorador, seja o capitalista ou o burocrata socialista, ambos agentes da exploração do homem pelo homem. Esse radicalismo anarquista tem seus antecedentes históricos marcantes, como a revolta de Spartacus na antiguidade romana, que liderou um movimento de escravos contra a escravidão e propunha uma utópica sociedade igualitária. Ou a revolta do beato radical Thomas Munzer, que se opôs à conciliação de Martinho Lutero com os príncipes alemães, e criou seu próprio projeto de sociedade cristã entre os camponeses, segundo o qual ela deveria se realizar imediatamente com uma ampla reforma agrária, e aceitando apenas a espada do rei Davi, excluindo do poder qualquer indivíduo da comunidade. Embora destituídos de teorias anarquistas, esses movimentos são precursores históricos do anarquismo surgido nos meados do século 19. Neste período, o anarquismo floresceu entre o proletariado industrial estimulado pela brutal exploração capitalista, que sugava a vitalidade dos assalariados, confinados em fábricas poluídas, com uma jornada diária de trabalho extensa, recebendo baixos salários, insuficientes para a sua sobrevivência, e sem direitos trabalhistas que garantissem sua segurança financeira. Diante das intransigências do capitalista, refratário a aceitar os direitos trabalhistas reivindicados pelos assalariados, estes começaram a reivindicar coletivamente as reformas que garantissem um mínimo de sobrevivência em um ambiente de trabalho menos opressivo. Desses movimentos coletivos, surgiram os primeiros sindicatos dos trabalhadores, inicialmente considerados ilegais pela legislação vigente na época, mas que diante de sua robustez adquirida ao longo dos movimentos reivindicatórios foram legalmente reconhecidos como representações legais do operariado. Atuantes nos sindicatos e nas fábricas, os anarquistas não acreditavam que as melhorias nas condições de trabalho do assalariado solucionassem os problemas sociais dos assalariados. E diante desta recusa, os pensadores anarquistas propuseram a realização de uma sociedade igualitária, diversificada profissionalmente, mas sem classes sociais, sem o Estado, dirigida comunitariamente, e que estimulasse a criatividade individual como incentivo à liberdade. Este projeto de sociedade anarquista é tarefa histórica dos explorados da sociedade, mas centrado na classe operária, segmento social sobre o qual recai o peso maior da exploração capitalista. Atuando com relativo sucesso no meio operário até as duas primeiras décadas do século passado, os anarquistas perderam gradativamente essa influência diante das sucessivas reformas trabalhistas que beneficiaram os assalariados, e contribuíram para seu acomodamento na sociedade capitalista. Sem o apoio do proletariado, os anarquistas isolaram-se na atual sociedade e aglutinaram-se em pequenos grupos de pensadores radicais, que mantêm acesas as chamas da liberdade do indivíduo contra a opressão de uma sociedade que encontrou caminhos para manter o autoritarismo e a exploração do homem pelo homem a um nível tolerável ao conjunto da população. Entretanto, a sociedade moderna é dinâmica e produz suas próprias contradições que mobilizam a inquietação e a criatividade humana. Apesar do consumismo que gera o bem-estar de uma parcela significativa da população, a sociedade moderna ainda não eliminou as desigualdades sociais, e mantém na periferia do sistema bolsões de miséria onde predominam a fome, a doença e a ignorância. O critério predominante de progresso e de desenvolvimento está destruindo o equilíbrio do planeta, e inquieta significativos segmentos da sociedade, preocupados com o futuro da humanidade em um habitat poluído e impróprio à vida de cada indivíduo. Estes problemas atingem o conjunto da sociedade, e sua solução requer o estímulo à liberdade para encontrar critérios diferenciados da atual maneira de pensar e sentir a vida. De olho vivo nesta questão ecológica, os reduzidos grupos anarquistas ainda atuantes acreditam que sua visão libertária pode aglutinar as vozes dispersas que propõem a formação de uma cultura humanista e planetária capaz de desenvolver entre os viventes um convívio solidário na nova civilização que a sociedade contemporânea está elaborando.

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