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A vida civilizada é uma paciente construção alimentada pela cultura dos povos, e tecida por videntes, filósofos, artistas, cientistas, geralmente incompreendidos pela sociedade onde vivem. Entre os hebreus, os seus mais destacados profetas anunciavam às multidões indiferentes as consequências negativas dos seus hábitos e costumes prevalecentes. Nas civilizações chinesa e indiana, líderes espirituais, como Lao-Tsé, Buda e Confúcio, ensinavam aos seus contemporâneos os caminhos da felicidade, mas conseguiram a adesão de poucos seguidores. E quando os ensinamentos desses profetas e videntes foram adotados por lideranças oportunistas, transformaram-se em ideologias ritualizadas, habilmente utilizadas para arrebanhar seus seguidores e transformá-los em rebanhos dóceis a suas demagógicas pregações. Na Grécia antiga, seus mais destacados filósofos, como Heráclito, Tales, Sócrates, Platão, Diógenes, Aristóteles e Epicuro elaboraram sistemas de pensamento racionalista, através dos quais pretenderam ensinar à multidão como conhecer-se a si mesma, e através desse conhecimento atingir a plenitude da vida. Apesar desses ensinamentos filosóficos, que contribuíram posteriormente para alçar a humanidade a um nível mais refinado de civilização, os gregos preferiram seguir o caminho das conquistas, que resultaram na decadência desses povos.
Mas esse desinteresse coletivo pelas mensagens humanistas dos profetas, videntes e filósofos, e o seu apego aos acenos mistificadores dos demagogos e oportunistas, não é uma reação apenas das civilizações antigas, pois está presente também em nossa sociedade. Apesar de vivermos em uma sociedade mais humana e desenvolvida que as sociedades pretéritas, somos indiferentes às mensagens dos humanistas contemporâneos, que nos alertam para os perigos embutidos no atual progresso unilateral, baseado na ansiedade coletiva pelo consumo indiscriminado das bugigangas produzidas pelo nosso sistema industrial. Esses humanistas contemporâneos ponderam que esse critério de desenvolvimento é controlado pelas grandes corporações capitalistas, e concentra a riqueza produzida pelo trabalho da maioria nas mão de um grupo reduzido de privilegiados, distribuindo às multidões iludidas com o sonho do consumo apenas o suficiente para sobreviver medianamente. Ao advertir que esse desenvolvimento unilateral privilegia o consumo indiscriminado, os humanistas contemporâneos salientam que tal perspectiva de desenvolvimento é desumana, pois concentra quase todas energias humanas na ânsia pelo Ter e não pelo Ser. Ou seja, Ter é acumular bens materiais, e Ser é a busca constante de nossas potencialidades humanas, que nos humanizam e tornam a vida mais digna de ser vivida. Mas esta perspectiva é estranha à maioria da nossa sociedade, pois a coletividade prefere ouvir e seguir as vozes que prometem, através do consumo compulsivo, proporcionar a todos nós, em um futuro não muito distante, o paraíso aqui na Terra, e enquanto este não chega, acenam com o paraíso após nossa morte. Salva-se então desse engodo coletivamente aceito, apenas um seleto grupo de indivíduos, impulsionados pela sua independência existencial, que consegue escapar dessa alienação coletiva, e segue os ensinamentos luminosos dos profetas, videntes e filósofos que ao longo da vida civilizada foram a consciência crítica da sociedade onde viveram. Nas sociedades antigas, esses profetas divulgavam suas ideias em locais públicos, falando direto à população, mas em nossa sociedade, os solitários anunciadores do humanismo contemporâneo aproveitam-se das brechas deixadas pelos poderosos meios empresariais de comunicação para a divulgação de suas ideias. Além do rádio, da televisão e agora da poderosa internet, o livro é um dos mais penetrantes meios de comunicação que divulga e multiplica a cultura humanista contemporânea à população. Desde a invenção da imprensa por Gutenberg, a edição de livros propaga a cultura produzida ao longo da vida civilizada, e contribui para libertar das trevas da ignorância quem deseja iluminar-se interiormente através do conhecimento livre e independente. Embora os mistificadores e manipuladores da consciência alheia também editem suas doutrinas alienantes, uma parcela considerável de livros de conteúdos humanistas divulga livremente a pluralidade do conhecimento, que possibilita ao leitor suas opções conscientes sobre a difícil arte de viver.
Ter livros e formar em casa uma selecionada biblioteca é um prazer imenso, pois é a principal fonte da formação da nossa individualidade, através da qual podemos entender o mundo e a vida racionalmente. Reli nestes dias de reclusão voluntária O Mundo em uma Frase, livro de James Geary, que comenta a vida de notáveis aforistas atuantes ao longo das civilizações. Esses aforistas cultivam a difícil arte do aforismo, através do qual sintetizam em uma ou em algumas frases um pensamento abrangente e complexo que outro escritor só conseguiria expressar através de uma narrativa mais longa. É um aforismo este pensamento de Ralf Waldo Emerson: “-A vida consiste naquilo que um homem pensa o dia todo.” Ou este de Jean Cocteau: “-Os espelhos fariam bem em refletir um pouco mais antes de devolver a imagem.” Ou este outro de Mark Twain: “-Nunca permiti que a escola interferisse em minha educação.” De Lao-Tsé, um antigo guia espiritualista chinês, até a nossa aforista contemporânea, a descontraída escritora Dorothi Parker, o aforismo constitui um farol que ilumina os recônditos da nossa vida, e revela que a coerência interna é o segredo para a vida bem realizada. Ao viver coerente com o que escreve, o aforista é um sábio porque em seu interior não há um conflito existencial entre pensamento consciente e sentimento inconsciente. E para demonstrar essa coerência interior dos aforistas, James Geary insere aos aforismos de cada aforista uma síntese de sua vida. Ao atingir essa coerência, o aforista encontra-se com sua integridade, e nos ensina que a felicidade só é possível quando há equilíbrio entre o pensar e o sentir. Iluminador, imaginativo e definitivo, o aforismo é um ensinamento que se mantém vivo ao longo da diversidade das civilizações, encantando os viventes preocupados em encontrar seu equilíbrio interior. A leitura do livro O Mundo em uma Frase é fascinante, pois demonstra ao leitor que há vida civilizada no planeta.

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