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Querida Elza, a morte é um acontecimento definitivo, e você é eterna porque permanece viva em minha memória. Compreendida a eternidade como lembrança e saudade, você será eterna enquanto eu viver, pois amo-a, e apesar das tentativas de considerá-la longe de mim, você continua presente nos mínimos detalhes do meu cotidiano. E se você oculta-se de mim nos atropelos diários, encontro-a em meus sonhos. Mas nesses atropelos você continua presente em minha vida. Quando embaraço-me ao saldar as dívidas nos bancos, ou quando não consigo lidar com o celular ou com o computador, peço socorro para você, através do auxílio alheio. Aos domingos, saboreio sua comida deliciosa, enquanto almoço outras comidas de sabores diferentes daqueles que você preparava. Ao assistir a um filme, ainda ouço seus comentários lúcidos, e lembro-me dos tempos iniciais do nosso casamento, quando ensinei-a a apreciar criticamente as produções da sétima arte, e você rapidamente assimilou aquelas orientações. Ao viajar de carro, a motorista que o dirige é você, e só com muito esforço desligo-me dessa relação. Nos livros que continuo lendo com avidez, sua presença é inevitável, pois é você que continua estabelecendo as pausas dessas leituras, evitando a minha exaustão devido a esse cansativo trabalho de ler e estudar. Continuo aguardando seus beijos afetuosamente concedidos, e ao sentir que eles já estão fora do meu alcance, completa-se a saudade que tenho de você, e a solidão que me envolve. Ao apreciar suas fotos colocadas nas paredes de nossa casa, essa minha solidão se transforma em doces devaneios, pois ali estão bem visíveis momentos significativos da nossa longa vivência. Mas de todos os devaneios que nesses momentos bailam em minhas recordações, invariavelmente aflora um momento mágico para nós dois, quando você penetrou definitivamente em minha vida. Lembro-me que no longínquo ano de 1968, ao passar diante de sua casa, você estava na janela, dissimuladamente sorrindo para mim, e descobri naquele momento que encontrei a mulher da minha vida. Daquele seu sorriso, até o momento que você tornou-se eterna, minha vida foi iluminada pela sua lucidez de esposa-amante, que me amava amparando-me de minhas carências. E agora, sem você essas carências ficaram órfãs, sem ter uma amada para ampará-las.

Querida Elza, sei que essa minha dependência em relação a você é um problema que preciso solucionar sozinho, e nem significa que meu amor por você era produto dessa minha fragilidade, pois nosso amor é mais fecundo e produtivo, e resultado de uma mútua construção entre dois viventes que se construíram em um matrimônio caracterizado pelo diálogo franco, no qual prevaleceram sentimentos e atitudes de solidariedade, compreensão, ajuda mútua, respeito, liberdade e tolerância. Querida Elza, escrevo-lhe estas confissões para avivar nosso relacionamento, algumas vezes mal sintonizado desde que você tornou-se eterna. Mas nesta decisão não há desespero, pois não desesperei-me desde que você se eternizou, embora sinta-me solitário. Antes, decorre de minha visão de vida imaginativa e criadora. Desde que saudável e à serviço da vida, a imaginação existe como asas da liberdade para viver, pois a vida não está nos limites da lógica. Se somos dotados de imaginação, imaginar é viver. Ao escrever-lhe estas confissões não procuro um auxiliar mágico que me auxilie a solucionar minhas angústias. Pelo contrário, é parcela de um diálogo que continuamente mantenho comigo mesmo, através de uma introspecção que busca encontrar em meu inconsciente as razões de minha penosa solidão, ampliada após você continuar vivendo em minha imaginação. Viver com você, afinal, era muito tranquilo, pois soubemos dividir nossas tarefas: você cuidava do nosso cotidiano, enquanto eu cuidava de nossa formação cultural, uma divisão produtiva, que resultou em nosso mútuo crescimento, e foi uma das razões da nossa felicidade. Querida Elza, continuo valorizando meus sonhos como simbólicas representações dos meus enigmas existenciais. Agradeço-lhe se você estiver mais presente em meus sonhos, pois agora, após seu encantamento na eternidade, eles são os nossos mais vivos meios de diálogo e convivência. Mais uma vez despeço-me fraternalmente de você, esperando seu retorno em meus sonhos.

Gilberto Radicce

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