Dentre os shows na praça Adolfo Testa, durante os dias que antecederam o Réveillon, houve a noite de rock, dia 28 de Dezembro, com a apresentação da Banda 84. O público, em comparação com o presente na noite de sertanejo, foi menor e mais seletivo. Esta apresentação se iniciou com uma sequência de músicas icônicas do rock dos anos 80, 90 e 2000; dentre as quais valem destacar Shout do Tears for Fears e Black do Pearl Jam. Após isso, retrocederam aos anos 70, com uma das maiores bandas de rock, em especial rock progressivo e psicodélico, o Pink Floyd, numa mescla de dois de seus principais álbuns: The Dark Side of the Moon (1973) e The Wall (1979).
Antes de descrever e analisar as reinterpretações das músicas, segue um resumo sobre os dois álbuns conceituais: The Dark Side fala a respeito da loucura de Syd Barrett (ex-líder fundador do Pink Floyd, posteriormente expulso), causada pelo uso de drogas, e para isso disserta a respeito das aflições e sentimentos humanos: o tempo e envelhecimento (representados pelas gravações de vários relógios), o dinheiro (representado pelo som de uma caixa registradora) e a vida (representada pelos batimentos do coração). E todos esses aspectos são resumidos na capa do álbum: A luz branca que na realidade é composta das 7 cores se dispersa após a refração por um prisma. Sonoramente há uma aproximação com o jazz e a música experimental, em especial por utilizar colagens sonoras de falas e as outras gravações citadas anteriormente. O outro álbum, The Wall, é inspirado nos traumas de Roger Waters, líder da banda após Barrett, em parte impulsionados pela morte de seu pai durante a Segunda Guerra Mundial. O que é simbolizado pelo “muro” de auto isolamento de Waters.
A primeira música executada é Hey you, de The Wall. Esse hard rock começa de maneira melancólica e quase cínica e prossegue com uma guitarra mais pesada, a ponto de tornar-se quase um heavy metal. Por ser uma música simples, é a mais fiel à versão original. A música seguinte foi Time, um dos carro-chefe do Pink Floyd, do outro álbum citado. Neste ponto surge o que pode ser considerado tanto mérito como ponto fraco da apresentação: é extremamente difícil para uma banda com apenas uma guitarra, baixo e bateria e alguns aparelhos de som mimetizar músicas marcadas por efeitos especiais e de estúdio. Por essa lacuna, as versões tocadas não são plenamente fieis às originais, e utilizam a guitarra para suprir os elementos ausentes.
Time é uma música sobre envelhecimento e angústias causadas pelo tempo perdido. A versão original se inicia de maneira mais calma, com os sons dos relógios para introduzir ao ouvinte o tema, mas que vai crescendo em intensidade, gerando uma expectativa sobre em que ponto a música vai ‘’ explodir’’, mas cujo momento é facilmente reconhecido pela icônica e forte letra. A música segue com um impressionante e marcante solo de guitarra de David Gilmour, após o qual a música volta a um tom calmo com uma reprise da música Breathe. Na versão da Banda 84 a guitarra surge de maneira mais pesada que a original, impossibilitando gerar a expectativa crescente. Ainda assim, o momento em que André, o vocalista da Banda 84, canta o primeiro verso, consegue ser nostálgico para qualquer fã de Pink Floyd e faz jus à canção original. Na execução dos solos de guitarra seguintes, vemos um dos pontos altos do show, e no momento de reprise de Breathe, a banda consegue o tom mais calmo necessário, que se manteve na música seguinte: Us and Them. Esta faixa é caracterizada pela serenidade que, na versão original, é causada principalmente pelo saxofone como instrumento. Sem esse instrumento, a versão da Banda 84 perde um pouco da criatividade da música original; mas nos momentos em que a música e os vocais se tornam mais intensos, a fidelidade à versão original é maior. Outro ponto positivo é que pela letra ser cantada de forma mais lenta, o vocalista pôde dedicar mais cuidado ao vocal.
Em seguida retornamos a The Wall, com a música provavelmente mais conhecida do grande público depois de Another Brick in the Wall (Part 2): Comfortably Numb. A música se baseia em dois casos pessoais de Roger Waters: o primeiro uma febre que quando criança lhe causou alucinações, ‘When I was a child I had a fever/ My hands fel just like two balloons’ (Quando eu era uma criança e tive uma febre/ Minhas mãos pareciam dois balões). O segundo quando, logo antes de um show, teve que ser tratado por um médico devido a problemas de saúde e, ao ser medicado para poder se apresentar a tempo, se sentiu entorpecido: ‘I have become comfortably numb’ (Eu me tornei confortavelmente entorpecido). A música já começa com uma sonoridade lisérgica, com a letra cantada de maneira lenta, muito característica e com todos os instrumentos e efeitos contribuindo para uma impressão surreal. Em seguida, após o último verso citado, entra Gilmour com um dos seus mais reconhecidos solos de guitarra. Então a canção volta a atenção à letra, com um tom mais pessimista que segue com mais um solo de Gilmour, desta vez muito mais angustiante. O Desfecho de Comfortably Numb pode representar duas situações: a solidão, pela qual passou Waters, diante dos acontecimentos incontroláveis da vida na vastidão do universo, representado pelo muro, ou, a introspecção e a manifestação dos sonhos de maneira irracional e delirante.
Na apresentação da banda 84 tem-se uma interpretação fiel à essência da original, capaz de levar o ouvinte ao estado sobre o qual trata a música, causando quase a sensação de estar sonhando acordado. Isso se consegue graças à magistral guitarra e ao fidelíssimo vocal, que interpreta uma das melhores letras do Pink Floyd. Em seu fim, com o segundo solo de guitarra, o show chega ao seu clímax que então se emenda com a faixa final de The Dark Side, Eclipse. A música que encerra este álbum possui um tom um tanto quanto mais otimista. Com uma letra repetitiva, cadenciada e que faz uma retrospectiva sobre os temas do álbum, isso é, os acontecimentos inerentes à vida, temos uma perfeita conclusão: ‘And all that is now/ And all that is gone/ And all that’s to come’ (E tudo o que há agora/ E tudo o que já foi/ E tudo o que virá) ‘And everything under the sun is tune/ But the sun is eclipsed by the moon’ (E tudo sob o sol está em sintonia/ Mas o sol é eclipsado pela lua).
Assim, em resumo, a apresentação da Banda 84 das músicas do Pink Floyd pode ser considerada ousada. Ousada por escolher tocar músicas de uma banda tão icônica e cultuada, em fazer interpretações que são fieis na medida do possível, mas que sabe fazer as mudanças nas músicas de forma eficiente e por fazer uma escolha não tão óbvia de faixas. Após a sequência musical da banda inglesa, o público escolheu mais uma música: Psycho Killer da banda de New Wave Talking Heads. Alguns dias após o show o vocalista André afirmou que a banda pretende apresentar o álbum Dark Side of the Moon inteiro, de maneira mais fiel ao original. Assim, os fãs de Pink Floyd em Cesário Lange e na região têm motivos para aguardarem ansiosamente uma nova apresentação da Banda 84 no futuro.