A música e a linguagem parecem transitar por diferentes circuitos cerebrais. Essa é a conclusão de vários estudos conduzidos com o objetivo de esclarecer como o cérebro humano processa as informações necessárias para criar e responder às sequências de sons de uma cantata de Bach ou de um samba de Adoniran Barbosa.
Enquanto a natureza, semeadora de desigualdades, dotou algumas pessoas de um ouvido musical que lhes possibilita repetir com perfeição todas as notas de uma melodia que mal acabaram de escutar, criou outras incapazes de diferenciar um dó de um lá, um baixo de um barítono.
Criou, ainda, outras praticamente surdas aos sons musicais: são as portadoras de amusia. A amusia pode ser congênita ou adquirida. A primeira é uma condição hereditária que chega a afetar 5% das crianças nascidas em determinadas populações. Já, a forma adquirida surge como consequência de traumatismos ou de derrames cerebrais.
Estudos conduzidos durante a década de 1990 demonstraram que muitos portadores de amusia não apresentam qualquer deficiência no campo da linguagem.
Com o advento das técnicas de ressonância magnética funcional e de outros métodos que permitem colher imagens nítidas do cérebro enquanto exerce suas atividades, tornou-se possível demonstrar a existência de diferenças no padrão de ativação das áreas cerebrais entre aqueles dotados de ouvido absoluto e os eternamente desafinados.
O grupo de Robert Zatorre, neurocientista da Universidade MCGill, no Canadá, demonstrou que as músicas mais inebriantes, aquelas que tocam o fundo de nossa alma, ativam regiões cerebrais como a amígdala e o córtex órbito-frontal, também ligadas às emoções e às respostas à alimentação e aos estímulos sexuais.
Apesar dessas descobertas, a Neurociência custou a aceitar a música como um fenômeno cognitivo ligado a circuitos neuronais específicos. A partir do ano 2000, no entanto, a associação de neurocientistas especializados em imagem e psicólogos cognitivos provocou uma revolução na área.
A colaboração do grupo de Zatorre com o da psicóloga Isabelle Peretz, da Universidade de Montreal, permitiu concluir que os cérebros dos portadores de amusia apresentam menor quantidade da substância branca localizada no giro frontal direito, área logo atrás do lado direito da fronte, do que os indivíduos considerados “normais” do ponto de vista musical. Essa área frontal direita está envolvida justamente na percepção e na memória musical.
Tais evidências deixaram claro que música e linguagem trafegam por diferentes circuitos, de fato, porque os centros que coordenam a linguagem estão situados do lado oposto, à esquerda do cérebro.
Outras pesquisas realizadas pelo mesmo grupo sugerem que a habilidade dos pianistas capazes de memorizar peças longas e complicadas, é resultado da comunicação integrada entre os circuitos de neurônios motores responsáveis pelos movimentos das mãos e os circuitos da memória auditiva (ao contrário das ideias clássicas que a atribuíam principalmente à memorização da melodia, que seria simplesmente acompanhada pelos movimento das mãos).
Para que serve a música?
Zatorre acha que a música está envolvida em grande número de funções mentais. Entre elas, memória, atenção, percepção, performance motora e emoção. Pacientes em tratamento fonoaudiólogo para recuperar a fala perdida depois de derrames ou traumatismos cerebrais, fazem-no mais rapidamente quando estimulados a cantar para o interlocutor.
Os biólogos evolucionistas sugerem múltiplos cenários para explicar as possíveis vantagens evolutivas conferidas pelas habilidades musicais. Os mais citados seriam a possível criação de laços de solidariedade social, a atração sexual provocada em pessoas do sexo oposto ou o estreitamento da comunicação entre mães e filhos.
Numa revisão recente, Steven Pinker, da Universidade Harvard, considera impossível testar cientificamente as hipóteses evolutivas. Ele acredita que a música não tem finalidade adaptativa, ela simplesmente está em nossos genes.