A Lua estava luminosa, e sua luz suave e prateada refletia-se no firmamento, proporcionando a quem a contemplava um silencioso espetáculo de raríssima beleza. Mas a beleza do luar torna-se mais envolvente e revela-se mais profunda quando o absorto observador penetra no interior dessa enigmática luminosidade, e sente que a Lua, observada do nosso planeta, integra-se no universo existencial dos viventes. Observar a Lua e sentir-se envolvido pelo luar pode ser uma vertiginosa experiência, e idêntica à sensação que sentimos quando temos saudades dos nossos antepassados, recentes ou remotos. Com os mais recentes tivemos vidas compartilhadas, e sentimos o calor humano do amor e da amizade, com os mais remotos sabemos de suas vidas através dos relatos históricos, e seguimos os exemplos dos mais virtuosos. Essas recordações, momentâneas muitas vezes, valêm a eternidade, e penetram em nossa intimidade nutrindo nossa existência com o elixir que retempera-nos para a continuidade da vida. E, revitalizados com estas recordações reconfortantes, voltamos a observar o luar, em agradecimento pelo bálsamo consolador vindo da sua luz. Mas nesse momento de esplendor intransferível, a Lua induz-nos à indagar onde estarão agora nossos antepassados. Serão luzes no firmamento, energias diluídas no universo, almas eternizadas no paraíso, ou saudades guardadas em nosso coração? Mas seja esta ou aquela a morada definitiva dos nossos antepassados, eles continuam alimentando nossa existência, pois somos herdeiros e continuidades do que eles construíram. Se temos sensibilidade para penetrar nos segredos do luar, e através do encantamento desse espetáculo noturno sentimos que somos individualidades, é porque nossos antepassados transmitiram-nos a difícil arte de observar e aprender as lições que o imenso universo nos ensina a todo instante.
A Lua estava resplandescente, à disposição de todo vivente. No passado ela foi uma das deusas das mitologias de muitos povos antigos e primitivos, quando então era cultuada como propiciadora dos benefícios solicitados ou protetora dos seus penitentes adoradores. Posteriormente, foi considerada um astro comum, e atualmente ela é o satélite dos terrâqueos. Os cientistas encantam-se diante das forças que mantêm esse astro equilibrado entre os demais, e girando em torno da Terra, como se estivesse dançando uma valsa neste imenso sistema solar, do qual fazemos parte. Até um século, os casais enamorados faziam juras de amor, tendo a Lua como único cúmplice, mas recentemente a vida urbana, iluminada à noite por luzes elétricas, cortou essa romântica conexão entre os amantes e o luar. Mas a Lua está indiferente a todas essas mudanças culturais da humanidade, e continua iluminando o nosso planeta há centenas de milhões de anos, bem antes do início da nossa lenta evolução. Mas a Lua é também uma construção cultural efetuada pela humandade ao longo da vida civilizada. Se há beleza, esplendor e magnetismo no luar é porque nós humanos somos esteticamente capacitados para ver a Lua magicamente. Apesar do racionalismo científico, que considera a Lua como um astro entre os bilhões de astros existentes em nossa galáxia, nós, civilizados, ainda olhamos encantados para o luar. É um encantamento mais refinado que o encantamento dos nossos ancestrais primitivos pela Lua, mas o encanto pelas noites enluaradas ainda permanece em nós,pois é uma herança culturalmente herdada daqueles povos, e está fixada em nosso inconsciente.
O encanto pelo luar é inerente à nossa condição humana, e se nossa civilização um dia perecer, os sobreviventes dessa catástrofe voltarão à condição cultural dos homens primitivos. Então, tomados por um encantamento cósmico inexplicável, esses sobreviventes venerarão a Lua como nossos antepassados primitivos, considerando este astro como divindade que controla a vida tribal primitiva, propiciando-lhe tanto o bem como o mal. Este retorno do civilizado à mentalidade primitiva é possível porque nosso passado individual ou coletivo é uma herança cultural gravada em nosso inconsciente, e revela-se em nossa consciência através dos símbolos. Agora ou em nosso passado remoto, a Lua simboliza a unidade de cada indivíduo com o conjunto do universo. Não é fascinante o luar?