No velho oeste americano havia muita brutalidade, mas não como o cinema inventou através dos faroestes. Bandidos e justiceiros implacáveis é uma dramática criação dos diretores cinematográficos do Tio Sam, que conquistou um público cativo e exigente em todo ocidente. Dos simplificados enredos das primeiras fases dos faroestes, surgiram filmes mais sofisticados, repletos de requintes e de enredos que exigem mais argúcia do seu público. O recurso dos primeiros faroestes era dividir rigidamente o elenco em personagens bons, perseguindo os personagens maus, e terminando com a esperada vitória da justiça. Nesta fase maniqueísta dos faroestes, o público de imediato reconhecia o justiceiro de boa índole do bandido portador de todas as imagináveis brutalidades, restando-lhe esperar pelo final feliz. Nesta fase destacaram-se justiceiros que se transformaram em heróis dos cinéfilos, como Tom Mix e Rex Allen. Estes heróis eram éticos, vestiam-se decentemente, tomavam leite no meio da bebedeira dominante nos botecos, e com este gesto arrumavam muitas brigas com os debochados beberrões, que caçoavam do bom-mocinho. Nessas brigas não perdiam a compostura, pois surravam seus adversários sem amarrotar as roupas e sem deixar cair o seu chapéu. Herói desta fase, o ator John Wayne protagonizou uma transição dos faroestes, que em sua nova fase começou a quebrar o maniqueísmo da primeira fase, ao interpretar um justiceiro ranzinza, mal humorado, às vezes beberrão, contrastando com o comportamento irrepreensível dos justiceiros pioneiros. Típico desta fase, foi o filme Bravura Indômita, protagonizado por John Wayne, em que o justiceiro ranzinza, beberrão, irônico e mal- humorado é pago por uma voluntariosa adolescente para prender o assassino do seu pacífico pai. Mas esta nova fase dos faroestes foi seguida, a partir dos anos 60 da década passada, pelos faroestes batizados de espaguetes devido à sua origem italiana. Os diretores italianos, como Sergio Leone, capricharam no “non-sense” de seus faroestes, caracterizados não só pelos exageros, mas pela sofisticação tanto dos justiceiros, que se tornaram mais humanos e portadores de nossas fragilidades, como dos enredos. Um dos filmes inaugurais dos chamados espaguetes, foi O Dolar Furado, estrelado por Giuliano Gema, e marcado por algumas cenas antes impensáveis no gênero dos faroestes. Inicialmente, um delegado sobrevive ao ser atingido no peito por uma bala porque o projétil atingiu sua estrela. Mais adiante, esse mesmo delegado, agora transformado em justiceiro, atinge e mata um bandido por tabela, fazendo a bala ricochetear em um sino colocado no topo de uma escada, e atingir o coração do adversário. Mas os diretores italianos não se contentaram em introduzir os exageros nos faroestes. Tornaram esse gênero cinematográfico mais sofisticado para atrair o público mais exigente, e produziram obras-primas como o filme Era Uma Vez No Oeste de Sergio Leone, protagonizado por atores do nível de Cláudia Cardinali, Henri Fonda e Charles Bronson.
Este filme é detalhadamente sofisticado, com um enredo que só se revela ao longo de sua exposição. A paisagem do oeste é caprichadamente reproduzida, e revela as belezas de um ambiente árido, inóspito e desafiador da presença humana. A linguagem é quase simbólica e se esconde no meio das palavras e dos diálogos, cujo entendimento exige o raciocínio rápido do público. Mas lentamente este enredo, produzido em formas de mosaicos, se realiza, revelando nas dramáticas cenas finais o que as cenas iniciais diziam ao público. E para completar a sofisticação deste filme, destaca-se não só o desempenho magnífico dos seus atores, mas também a beleza de Cláudia Cardinali. Mas além destes destaques, envolve este filme o roteiro musical de Ênio Morriconi, que conseguiu proporcionar o equilíbrio de cada cena, enfatizando sua particularidade, ora dramática, ora violenta, ora romântica.
Apesar de seu primor, Era Uma Vez No Oeste não foi bem recebido pela crítica, e a renda de bilheteria foi suficiente apenas para pagar o seu orçamento. Mas o valor dessa produção com o passar do tempo foi finalmente reconhecido pelo público, e até hoje é reproduzido com sucesso nos canais de comunicação especializados na Sétima Arte.
Gilberto Radicce
