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A vida nem sempre é difícil de viver. É dificílima. E nestas ocasiões torna-se um tormento para o vivente. Raros sofredores conseguem se salvar da tragédia anunciada. E quando se salvam, carregam as sequelas do trauma adquirido. Traumatizados, perdem os rumos certos da vida e caminham pelas veredas incertas, acreditando em suas seduções, por descrença em alcançar o que de bom foi lhe negado. E quando da descrença brota o vigor da desforra, e no íntimo do descrente surge um novo Eu recalcado e transformado, o mundo pode esperar um inimigo vingativo, como tantos outros que ao longo da História assolaram os povos. Nero, Calígula em Roma antiga, Stálin, na União Soviética, Mussolini na Itália fascista, Mao na China comunista são exemplares marcantes de indivíduos frustrados que levaram consigo para o poder alcançado suas frustrações pessoais e as transformaram em ideologias de mundo revertidas em planos governamentais impostos pelo poder brutal do Estado autoritário. Como estes ditadores sanguinários, centenas dessas espécies se reproduzem pelo nosso mundo batalhando na política por um cargo de presidente da República, onde possam expandir os seus recalques pessoais transformados em ideologias, para aplicá-las ao povo como normas de vida. Como esses recalcados, postulantes a cargos públicos eletivos, não reconhecem limites para sua voracidade, torna-se responsabilidade de cada eleitor negar o seu voto a esse candidato, canalizando-o a outro mais confiável, de formação democrática. Mas é difícil separar o joio do trigo eleitoral, pois o encanto do demagogo seduz a maioria do eleitorado, já que este participa de muitas das ilusões de quem o seduziu. Com este embaralhamento ideológico, o resultado eleitoral muitas vezes é prejudicado, ao eleger-se um candidato autoritário com disposição para promover um governo ditatorial e conservador, que pelas suas diretrizes, pretenda retardar o desenvolvimento da sociedade, pois todo recalque é um sintoma neurótico retardador. Nos meados do século passado, essa ilusão ideológica aconteceu na Alemanha, quando Hitler, aproveitando-se oportunistamente da grave depressão que atingia a Alemanha e grande parte dos países, fundou o partido nazista, e após intensa campanha eleitoral de desmoralização da democracia seduziu a maioria do eleitorado daquele país a apoiar o seu programa de governo autoritário e conservador, que defendia os valores morais retrógrados, identificados a uma cultura de superioridade racial alemã. E através desse racismo germânico, pregou a hierarquia entre as raças, a eliminação da raça judaica por considerá-la inferior, e o domínio do povo alemão sobre os demais povos. Sua megalomania tornou-se agressiva e insustentável para os demais países, que pretendiam sustentar sua independência, conduzindo-os a uma ampla aliança contra o imperialismo guerreiro alemão, e motivando a eclosão da Segunda Guerra Mundial, que derrotou a Alemanha. Embora tivesse uma infância comum, sem grandes traumas familiares, Hitler teve muitos recalques durante a juventude, e levou uma vida um tanto solitária. Participou em batalhas da Primeira Guerra, e quando voltou à vida civil sentiu-se desadaptado para viver em sociedade. Escreveu sua obra ideológica e política intitulada Minha Vida, na qual disserta sobre sua visão de mundo, e também como solucionar através de métodos autoritários os problemas da sociedade alemã e de sua relação com o mundo daquela época. Foi seguido inicialmente por um pequeno grupo de companheiros de classe média, com os quais formou o núcleo dirigente do partido nazista. Sua ascensão ao poder foi rápida, pois sua retórica, perante a grave crise econômica e social alemã propunha soluções aparentemente eficientes para os males da sociedade. Como todo conservador autoritário, Hitler apresentou um programa de governo reacionário, impraticável por muito tempo, pois retarda a livre dinâmica do capitalismo moderno, imobilizando-o em uma de suas fases, o que significa retrocesso, pois o capital se reproduz a todo instante, não se fixando em um dos seus patamares. O recalcado é um paciente para Freud, e não um agente político, pois se analisado satisfatoriamente por um psicanalista em seu consciente seriam revelados os seus recalques inconscientes, e com eles as razões de sua visão neurótica de mundo, que ao se transformar em programa de governo pode trazer infindáveis problemas sociais para um país ou para o mundo. O Brasil tem ao longo de sua história política três ou quatro exemplos desses personagens, mas por felicidade, exemplares de voagens rasteiras.

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