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Quando as luzes do cinema se apagam e as imagens do filme em movimento se projetam sobre a tela, um mundo lúdico e repleto de magias arrebata o telespectador para as profundezas dos seus sonhos, fazendo-o esquecer do seu repetitivo cotidiano.
Em minha infância, quando nossa geração não estava sob a influência da televisão, ir ao cinema era uma experiência que se renovava ao longo da vida de cada criança. Vivenciar as imagens e partilhar do enredo do filme projetado era uma sedução irresistível e transcendental. O primeiro filme ao qual assisti foi Branca de Neve e os Sete Anões, um clássico desenho em longa-metragem produzido por Walter Disney, que até hoje cativa as crianças. Mas em minha infância, ir ao cinema era também um complemento lúdico em nossa vida porque os enredos dos filmes transformavam-se também em conteúdos de muitas das nossas brincadeiras cotidianas, como brincar de bandido e mocinho dos faroestes, no qual trocávamos sempre de personagens, alternando-nos como bandidos e heróis. Principalmente nas tardes de domingo, após as sessões de matinê, reproduzíamos nas ruas ou nos quintais de nossas casas o faroeste apresentado. Inesquecível para os meninos da nossa rua foi quando brincamos reproduzindo o filme Ivanhoé, um épico com enredo fixado na cavalaria medieval. Para tornar a brincadeira mais próxima do que supúnhamos ser a realidade, armamos o exército de Ivanhoé com arcos e flechas incendiárias e atacamos um suposto castelo identificado com um velho casarão abandonado que se localizava no quintal de uma das casas. Mas o fogo das flechas deu início a um incêndio nessa casa, e quando o valente Ivanhoé percebeu que o sinistro estava fora do nosso controle, deu ordem para que seu valoroso exército batesse em retirada, abandonando o local da batalha. O velho casarão só não se incendiou porque a vizinhança fez mutirão para deter as chamas, e de quebra proibiu que nas próximas encenações utilizássemos pólvora ou tochas de fogo.
Mas o cinema não marcava apenas a nossa infância, acompanhava também a vida de adolescentes e adultos, já que em cada fase da existência humana assumia um novo significado para os viventes, trazendo consigo um fator de agregação social. Na juventude, costurava namoros ocultos pelo escurinho do ambiente, entre os casados proporcionava a continuidade da vida familiar, pois era comum a presença de filhos e pais reunidos em uma sessão cinematográfica.
Inventado pelos irmãos Lumiérè, nos finais do século 19, o cinematógrafo inicialmente foi considerado apenas mais um divertido mecanismo revelador e projetor de imagens em movimento, produto da evolução da mecânica e da eletricidade, ao qual o público dava pouca atenção. Mas trabalhado por criativos inventores, o cinema demonstrou ser uma inesgotável fonte de inspirações técnicas e artistas, que proporcionou às artes cênicas caminhos insondáveis naquela época, e impossíveis para os limites do teatro. Tecnicamente foi possível produzir nos estúdios cinematográficos filmes interplanetários, concentrar em um tempo mínimo a história de várias vidas, ou proporcionar ao grito de Tarzan um único padrão, que vale para todos seus intérpretes, através de vozes seguidas de um cantor barítono e outro soprano. Esse arranjo sonoro iludiu as crianças quando ao primeiro Tarzan, Johnny Weissmuller, sucedeu Lex Barker, e o grito selvagem do herói continuou o mesmo, sem que jamais suspeitassem dessa montagem. Só soube de mais essa realidade camuflada pelo cinema aos seus expectadores aos 30 anos de idade, quando li uma reportagem sobre Tarzan. Mas foi um engano delicioso enquanto durou, pois cinema é magia e sedução. O cinema, também é uma instituição educativa, educando através da sedução. Seduz as pessoas, confraterniza os povos, e contribui para a formação da cultura urbana, que é o fator fundamental para a evolução dos tempos modernos. Libertou o corpo, principalmente o corpo da mulher, dos limites das tradições, ao integrá-lo no conjunto da nossa personalidade, elevando-o à condição de fruto desejável, mas sem ser agente do pecado. Dos gestos humanos, o cinema elegeu o beijo como o símbolo da união fraterna entre os seres humanos. Nos enredos dos filmes, tornou um solidário gesto afetivo, antes consentido apenas no recôndito íntimo das pessoas. Atualmente, filme sem que os protagonistas se beijem é filme incompleto. Mas durante muito tempo o beijo no filme foi considerado um escândalo para muitos padres das paróquias de pequenas cidades. E como não conseguiam impedir a propagação desse escândalo através dos filmes, muitos daqueles vigários montaram cinemas paroquiais, nos quais cortavam as cenas de beijo contidas no filme. Cinema Paradiso, um comovente filme de produção italiana, revela como as cenas de beijo eram cortadas, e como as reações de protesto do público a essa censura eram imediatas. A televisão, ao penetrar nos lares, causou o fechamento de muitas salas projetoras de filmes, mas não abalou a produção cinematográfica, pois ir ao cinema continua uma vivência mágica: -Foi no escurinho do Cine São José que roubei o primeiro beijo de Elza Maria.

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