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Quando aqui cheguei em 1968, estranhei Cesário Lange, na época uma pacata cidade de vida bucólica e sossegada, parecendo dormir no leito acolhedor do seu passado. Aquela estranheza inicial foi por conta da minha vivência em cidades maiores, onde o inquietante burburinho urbano envolveu seus moradores em uma agitação frenética, e escondia o veneno do progresso unilateral reinante nos tempo atuais. Naqueles centros urbanos maiores as pessoas já viviam agitadas, correndo atrás das horas perdidas para o tão desejado futuro, que teimosamente se colocava sempre adiante de cada um. Naquele ansioso turbilhão coletivo apenas o relógio de pulso, o dono do tempo, era impassível, diante daquela corrida frenética que envolvia a todos. Impassível mas acusador, o neutro relógio mostrava a todos o tempo perdido de cada um, que sentia-se sempre atrasado. E envolvido por uma ansiedade coletiva, cada indivíduo esquecia-se de perguntar de qual futuro se atrasou. Mas sempre ocultando-se, o futuro desejado jamais mostrava sua face, apenas se insinuando como o reino de uma indefinida felicidade. E quando as pessoas supunham que chegavam a esse mundo feliz, novamente o futuro estava adiante na corrida em busca da vida ditosa. Envolvido nessa corrida frenética dos grandes centros urbanos, inicialmente senti Cesário Lange atrás dos meus passos, no seu caminhar lento e impassível, deixando o tempo passar. Mas aos poucos, e involuntariamente esta cidade cresceu, invadida pela avalanche intrometida do progresso vindo de outras cidades maiores. Urbanizada, Cesário Lange foi contaminada pelo pecado do progresso unilateral, e aqui a vida também começou a tornar-se inquieta. Todavia, este seu burburinho, prescindido da experiência de outras cidades, foi sempre mais lento, típico das cidades onde o progresso demorou a chegar. Semiacordada de suas tradições rurais, Cesário Lange começou a trilhar esse seu novo caminho como o caboclo sempre desconfiado das promessas das grandes cidades. E chegou à modernidade vacinada pelo antídoto que a imunizou contra o progresso irrefletido das cidades pioneiras. Do ontem ao agora foi uma transição cuja condutora leveza tornou uma trajetória quase imperceptível para os Cesáriolangenses. E assim se passaram os tempos, com suas nostalgias e esperanças, oscilantes entre um passado que teimosamente pretende perpetuar-se e um futuro tentando se impor aos valores tradicionais. Da data de sua emancipação político-administrativa, ocorrida na transição entre 1958 e 1959, até o ano de 2020, sucessivas gerações protagonizaram no palco da vida os enredos de sua época, que somados e multiplicados formaram a história do cotidiano desta encantadora cidade. Ao adotar esta cidade, movido pela condição de protagonista engajado neste seu enredo, incorporei sua história, e senti-me envolvido em seu cotidiano. Aqui, minha vida tomou rumos diversos daqueles do caminhar que tivera até aqui chegar. Foram rumos intencionais, frutos de reflexões constantemente meditadas, mas também de rumos ditados pelas circunstâncias proporcionadas pela história de Cesário Lange. Mais do que pensar em ser, tornei-me Cesáriolangense. Sinto essa condição no pulsar da minha existência, e conscientizo-me dessa identificação em muitos momentos da minha vida. E senti-a recentemente quando fui a Tatuí em viagem de ônibus e permaneci por uma tarde nessa cidade. Quando retornei, ao descer na praça Adolfo Testa e de passagem pelo calçadão Gisele de Fátima senti uma paz interior e um aconchego idêntico à criança quando se aninha no colo da sua mãe. Da turbulência reinante no centro urbano de Tatuí, cheguei a um redentor espaço público dominado pela calma proporcionada por uma cidade tranquila, que ainda preserva seu passado bucólico, formada por um povo acolhedor, que ao caminhar pelas ruas ainda cumprimenta o próximo, e sente a satisfação de ser reconhecido. São dádivas como estas, presentes apenas nos municípios pequenos, que nos abençoam, e envolvem cada cidadão no manto agasalhador que sustenta e justifica nossa existência. Por todas estas razões, incorporadas na vivência diária do cidadão cesariolangense, sentimos esta cidade como uma coletividade que aceitou o progresso, mas soube incorporar o lado humano do seu passado. Em seu poema épico, O Paraíso Perdido, o poeta inglês John Milton lamenta essa perda, que encontrei em Cesário Lange.

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