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A velhice é uma fase dolorosa da vida, que o velho precisa enfrentar com muita coragem e determinação, pois sabe que seu tempo está se esgotando, e pouco resta-lhe para viver. Para o jovem, a vida é eterna, pois morrer parece um acontecimento improvável. Nessa fase da vida nossas energias sustentam as esperanças, que produzem um vigor repleto de otimismo, segundo o qual somos imunes aos perigos e às dificuldades inerentes ao viver. Podemos então dedicar aos encantos e seduções do que a sociedade proíbe, pois o proibido é sempre portador de idílios supremos, que prometem a plena satisfação dos nossos delírios. O jovem pode então viver delirante, em um mundo fantástico, sem limites, e portanto eterno. Não pensa como o fanático islamita, que deseja morrer para viver as delícias do paraíso onde jorra o mel, e as 100 virgens atendem prazerosamente aos seus desejos mais almejados. Ao contrário, o jovem acredita que seu paraíso tão acalentado é realizável nesta vida, e para alcançá-lo é suficiente o seu desejo. O jovem vive de desejos e fantasias incentivados pela sua concepção de vida e pelas facilidades que desfruta por não saber o quanto custa ganhar a vida com o seu próprio suor. Têm nos pais os seus provedores dos seus desejos, e na própria inexperiência da vida seus aliados que incentivam suas fantasias. Mas são sonhos que se desfazem ao longo da sua vida, e obrigam o jovem a corrigir sua rota existencial, ao caminhar para a idade adulta. Mas o desfazer desses sonhos juvenis é lento na idade adulta, pois se desfaz ofuscando-se como confirmações das ilusões da juventude. Assim, quando sua musa idealizada é projetada em uma namorada, esta transforma-se nessa musa tão sonhada, e após o casamento contenta-se com sua esposa, amando-a como amou sua heroína tão sonhada. A vida é então conduzida por sonhos juvenis que se desfazem parcialmente, pois o adulto sempre encontrará um remédio genérico para substituir o remédio juvenil autêntico. E assim caminha até chegar à sua velhice, desfazendo-se dos sonhos infantis, mas substituindo-os com imperativos da realidade vivida, mas sem as fronteiras precisas entre sonho e ilusão. E nesta idade, desvanecem as energias juvenis que mobilizavam suas ilusões, substituídas agora por fragilidades que levam o velho a meditar sobre a sua vida. Desde então, essas fragilidades se acentuam, as decepções tornam-se mais fortes que as esperanças, envolvendo a vida do velho e corroendo-lhe as últimas resistências ao diálogo sincero consigo mesmo. Mas como viveu no balanço entre o real e o imaginário, carece agora da solidez proporcionada somente pela coerência em viver conhecendo o significado real da vida. Ou seja, faltam-lhe o poder do conhecimento racional para efetuar um balanço geral da sua existência. Recorre então aos consolos proporcionados pelas religiões, e passa a acreditar piamente que terá uma vida feliz após a morte. Sela com a vida o último compromisso que segue o mesmo padrão de quando era jovem: -sonhar com uma vida feliz e vivê-la idealmente, mas que não se comprovou no cotidiano de sua existência. Efetiva-se através desse compromisso a última paródia da vida.
Balanço Final é uma obra-prima da escritora existencialista Simone de Beauvoir, na qual essa polêmica intelectual efetua uma análise profunda e sincera da trajetória de sua vida. Munida do aparato ideológico proporcionado pelo existencialismo, a escritora efetuou esse balanço com coragem e lucidez admiráveis, submetendo sua existência ao crivo de uma filosofia radical que a desnudou perante ela mesmo, expondo-a aos olhos atônitos da sociedade daquela época, marcada por radicalismos ideológicos. Conhecedora das teorias psicanalistas, acoplou-as criativamente à sua visão existencialista da vida, e proporcionou um modelo de análise da existência humana flexível a quem deseja conhecer-se mais profundamente do que através das receitas propiciadas pelo descolorido e enganador senso-comum. Analisa-se com severo critério, evitando todo tipo de concessão fácil que mascare sua responsabilidade por si mesma, e perante a sociedade. Destaca a necessidade fundamental de cada indivíduo usar sua liberdade para tecer os rumos de sua vida, e responsabiliza nossas omissões como os motivos das contradições que infelicitam nossa existência. Este seu balanço começa com a análise de sua infância, passa pela sua juventude, até chegar à sua velhice. Não isenta suas responsabilidades perante a sociedade, e destaca a autenticidade individual como a fonte do nosso amadurecimento e respeito conosco mesmo. Durante sua existência, Simone de Beauvoir foi uma ativista em defesa da liberdade e dos direitos de cada indivíduo expressar-se de acordo com sua formação ideológica. Ao considerar a existência o núcleo da nossa liberdade, responsabiliza nossas omissões pelas tragédias que afetam a humanidade, e assim elege a autenticidade como o fundamento de uma vida plena e realizada, livre das amarras que nos aprisionam à mediocridade. Balanço Final revela a filosofia existencial dessa laureada escritora, e demonstra como os existencialistas, principalmente de orientação sartriana, expressam melhor esta filosofia do que nos tratados filosóficos. É uma obra para ser lida por indivíduos que pretendem ser livres. E, principalmente, pelos velhos, para que no final da vida, aprendam a viver livres do sufoco das ilusões perdidas.

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