PUBLICIDADE

Geralmente sonhamos os desejos determinados pelo nosso inconsciente, e não aqueles que desejamos conscientemente. É evidente que os desejos reprimidos no inconsciente são elaborados primeiramente no consciente, mas é o inconsciente que seleciona os enredos filtrados para o consciente. Sendo inconscientes os conteúdos de muitos dos nossos sonhos, quando eles se reproduzem no consciente ficamos surpresos com esses enredos oníricos conscientemente insuspeitos. Um amigo sonhou que prendera uma ave na gaiola, e acordou incomodado com esse sonho, pois é contrário à prisão das aves. Se ele tivesse alguns conhecimentos de Psicanálise não ficaria tão surpreso, pois saberia que a linguagem dos sonhos é simbólica, e para entender seu sonho precisaria saber que a ave é um símbolo da liberdade que desejamos desfrutar, e a gaiola representa a repressão consciente ou inconsciente desse desejo. Portanto, sonhar que prendeu uma ave em uma gaiola indica que privou-se de realizar um desejo significativo para sua vida, e para saber qual é esse desejo precisará examinar as circunstâncias existenciais que envolvem a sua vida, e se não as encontrar através de livres associações é necessário recorrer a um psicanalista. Se a interpretação do sonho indicar que ele decorre de uma pequena frustração em seu cotidiano, o caso pode ser considerado um acontecimento sem maiores danos para a sua personalidade. Mas se a análise do sonho indicar que ele integra um conjunto de frustrações que determina a formação de sua personalidade deverá prosseguir em suas análises, para desfazer essa trama existencial que mobiliza suas neuroses. Nas civilizações antigas, os sonhos eram considerados iluminações indicativas de acontecimentos futuros sombrios ou promissores, mas insuspeitos para quem os sonhava; e seu sentido real era revelado por videntes inspirados, capazes de interpretar sua linguagem simbólica. Nos inícios da sociedade ocidental moderna, os sonhos foram rebaixados à condição de reações emocionais a estímulos físicos agradáveis ou dolorosos ocorridos durante o sono, e que não mereciam maiores preocupações. Todavia, com o surgimento da Psicanálise, entre os séculos 19 e 20, os sonhos adquiriram importância como indicativos de conflitos emocionais interiores de quem sonha. Essas mudanças históricas na avaliação das funções dos sonhos ocorrem porque cada sociedade se interpreta segundo seus valores culturais dominantes. Nas civilizações antigas os sonhos eram mensagens divinas que alertavam o sonhador sobre acontecimentos importantes para o seu futuro. No início dos tempos modernos, os sonhos foram rebaixados à condição de respostas a indisposições físicas porque a elite pensante da sociedade desse período adotou o racionalismo cartesiano, sintetizado na frase “Penso, logo existo”, centrado na consciência como a formadora dos conceitos, e impermeável aos fenômenos inconscientes como geradores de cultura. Entretanto, a partir do século 19, a formação de uma sociedade de cultura urbana e industrial abriu revolucionárias perspectivas para as descobertas científicas, que ampliaram tanto as dimensões do universo, como o conhecimento dos ínfimos espaços atômicos. Desses desdobramentos surgiram pensadores como Charles Darwin, Karl Marx e Sigmund Freud, que no campo das ciências humanas, redefiniram o conceito de humanidade e indicaram o seu processo criativo evolucionista e dialético. Através da Psicanálise, Freud quebrou tabus e preconceitos que sustentavam a visão de mundo conservadora predominante na sociedade de sua época. Ao colocar a libido como o centro dinâmico do desenvolvimento da personalidade do indivíduo, Freud escandalizou a elite conservadora, e ao descobrir a importância do inconsciente como o dínamo da formação dos valores morais chutou o balde de uma cultura milenar preconceituosa, que até então dirigiu o rumo das civilizações. Os sonhos puderam, então, ser entendidos como uma linguagem simbólica reprimida no inconsciente, que indica a ebulição de desejos ocultos, mas impedidos de se manifestar devido à repressão exercida pelo consciente do indivíduo. É essa repressão, à serviço dos valores morais predominantes em uma determinada sociedade, a responsável pelo surgimento das neuroses que desequilibram a personalidade de cada um de nós, e impedem o nosso esvoaçar rumo à liberdade interior. Portanto, conhecer o nosso inconsciente, que se manifesta através dos sonhos, é um processo libertador individual que poderá incidir sobre o conjunto da sociedade se uma quantidade cada vez maior de indivíduos se propuser a se conhecer através da interpretação de suas manifestações oníricas. Esta libertação individual, atingida através dos sonhos, agrega-se à proposta do filósofo grego Sócrates -Conhece-te a ti mesmo-, até recentemente entendida como um projeto individual, mas que adquiriu em nossa sociedade uma dimensão coletiva de libertação de toda a sociedade das fixações das ideologias forjadas no passado, responsáveis pela milenar exploração do homem pelo homem.

PUBLICIDADE