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Neste seu primeiro ano de governo, Bolsonaro colecionou uma série de insultos a personalidades brilhantes e bem conceituadas pelos seus serviços prestados à coletividade, culminando seu festival de ofensas ao laureado educador brasileiro Paulo Freire, chamando-o de energúmeno. Ao encontrar esquerdistas até em baixo da cama, Bolsonaro inconscientemente valoriza essa ideologia, ao proporcionar-lhe uma abrangência que não tem, pois o pensamento de esquerda não está tão disseminado na consciência da maioria da população brasileira como o presidente supõe. Mas Bolsonaro promove inconscientemente a esquerda porque raciocina como o neurótico fixado na teoria da conspiração, e considera quem não pactua com sua fixação um conspirador ardiloso e disposto a subverter a sociedade. Fechado em seu estreito círculo de ideias, o presidente age como um maniqueísta, que considera a sociedade uma corporação dinamizada pela eterna luta entre as forças do Bem contra as forças do Mal. Prestigiada nas sociedades antigas, atualmente o esotérico maniqueísmo ainda é praticado em apenas algumas seitas místicas, refratárias ao racionalismo pluralista contemporâneo, que congrega indivíduos fixados no misticismo do passado da humanidade. Elitistas, os adeptos do moderno maniqueísmo consideram que uma elite privilegiada controla os cordéis invisíveis que movem a sociedade, restando à população o papel de coadjuvante da grande epopeia da humanidade, cujo destino será a vitória do Bem sobre o Mal. Ao considerar a História uma sucessão decorrente da luta entre o Bem e o Mal, o maniqueísmo moderno desponta como uma ideologia conservadora, que identifica o pluralismo cultural da modernidade o inimigo do Bem, ou seja, o Mal, que precisa ser combatido sem tréguas até o dia do Armagedon. Carente da formação cultural produzida pelas ciências sociais e humanas contemporâneas, Bolsonaro reduz sua visão de mundo segundo os limitados padrões do maniqueísmo moderno, e coloca as contradições da moderna sociedade brasileira em um cinturão de ferro ideológico, onde combatem as forças bolsonaristas do Bem contra as forças opositoras do Mal. Ao travar esse combate, Bolsonaro apresenta-se como um democrata, mas esta sua postura ideológica é incompatível com sua ação política conservadora, pois nomeia para seus ministros personagens identificadas com a ideologia corporativista da extrema direita, cujo desempenho na maioria dos ministérios identifica-se com a cultura antimodernista, ainda vigorante na sociedade contemporânea. Patrimônio cultural de grupos oligárquicos ainda atuantes na sociedade brasileira, as propostas políticas conservadoras de Bolsonaro proliferam nos ministérios do Meio Ambiente, Agricultura, Educação e Cultura, cujos programas se incompatibilizam com os avanços da modernidade. Ao chamar de energúmeno um educador do nível de Paulo Freire, Bolsonaro revela a sua recôndita visão de mundo conservadora e maniqueísta, e julga-se capacitado para jogar raios fulminantes em um projeto educacional libertário, mas indecifrável para um corporativista. Embora o maniqueísmo do presidente ainda não represente um sério risco de retrocesso da sociedade brasileira, é preciso que os segmentos sociais identificados com a modernidade se mobilizem contra as investidas de parcelas significativas da equipe presidencial, pois, apesar de incompatível com os avanços do mundo moderno, o bolsonarismo tem o apoio dos segmentos sociais conservadores identificados com esta ideologia. E esta identificação é militante, podendo ser mobilizada para projetos políticos autoritários, encubados em declarações de bolsonaristas que acenam com a adoção de um novo Ato Adicional Número 5, editado pela Ditadura Militar em 1968, e de triste memória. Pela sua obra educacional reformadora, Paulo Freire transcendeu aos limites nacionais, e tornou-se um patrimônio cultural da humanidade, reconhecido nos países onde a educação é levada a sério. Varridos os ciscos de uma declaração presidencial ofensiva, os seguidores de Paulo Freire continuarão divulgando a obra desse eminente educador, pois ela corresponde às necessidades culturais de uma sociedade moderna racionalista, democrática, pluralista e libertária, e que o maniqueísmo do presidente não assimila.

 

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