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Nomeado pela equipe cultural de Bolsonaro para dirigir a Fundação Palmares, órgão responsável pela promoção da cultura de raízes negras, o jornalista Sérgio Nascimento de Camargo é um pensador reacionário identificado com a ideologia conservadora e de direita do atual governo. Entre outras opiniões, declarou que a escravidão foi benéfica para os descendentes dos negros, e que não há racismo no Brasil. É também contrário à cota universitária para estudantes negros e afirma que o movimento negro deve ser extinto, incluindo nessa extinção o Dia da Consciência Negra, pois estas iniciativas resultam das articulações ideológicas das esquerdas brasileiras. Como era esperado, essas declarações de Sérgio Nascimento de Camargo, acrescidas de sua nomeação para a função de promover a cultura negra no Brasil, alvoroçou o formigueiro dos segmentos mais conscientes da sociedade brasileira, identificados com as iniciativas de resgatar a dignidade dos afros descendentes maculada pela tragédia da escravidão. A nomeação do jornalista Sérgio Nascimento é colocar um estranho no ninho de uma cultura que trabalha para corrigir as graves distorções históricas promovidas no passado colonial brasileiro, e constitui uma iniciativa para integrar o conjunto da sociedade contemporânea no processo histórico da modernidade, caracterizado pela assimilação dos valores libertários e democráticos da cultura contemporânea. Esses movimentos culturais estimulam a pluralidade ideológica e o convívio entre as diferenças, fundamentais para que o país supere as estruturas dominantes em sua fase colonial, e se apresente entre as demais nações como um país democrático e independente, autorizado a participar das soluções dos problemas globais que afetam o conjunto da humanidade. Mas essa importância histórica e cultural dos movimentos de conscientização das minorias é reduzida pelo pensamento conservador como uma conspiração das esquerdas, consideradas pelos reacionários responsáveis pela exploração dos conflitos sociais e dos problemas econômicos com a finalidade de alcançar pela força o poder no país e promover o comunismo. Esta miopia ideológica da direita reacionária tem o apoio de segmentos sociais despolitizados e presos a valores culturais autoritários vinculados a um passado histórico ainda insepulto e sustentado pela necrofilia ideológica dos seus obtusos representantes. A ideologia conservadora da extrema direita alicerçava-se no passado em uma prática social pré-moderna de bases econômicas rurais, típica de sociedades, como foi o Brasil até recentemente, agrárias, exportadoras de produtos primários para um mercado dominado pelos países mais desenvolvidos e industrializados. No Brasil, a morosa superação desse passado colonial aconteceu enfrentando a resistência dos poderosos grupos econômicos oligárquicos, aos quais o processo histórico de modernização da sociedade brasileira era prejudicial. Preponderantes na economia, essas oligarquias agrárias detinham não apenas o controle do poder político, mas também do poder cultural. Promoviam uma preconceituosa cultura elitista e conservadora que alimentava ideologicamente seus interesses de classes sociais hegemônicas, e demonizava toda cultura que promovesse a modernidade. Ao dominar a cultura conservadora, conveniente aos seus interesses, as oligarquias mantinham o conjunto da sociedade dócil à sua ideologia. Nas grandes fazendas de café e açúcar, o seu proprietário, intitulado coronel, era padrinho de todas as crianças geradas pelos seus colonos. Nos vilarejos, prefeitos, juízes e vigários acompanhavam essa rotina cultural, executando, julgando e abençoando de acordo com o paternalismo gerado nesse fechado mundo rural. E dos vilarejos essa dominação atingia a nação e justificava as eleições presidenciais fraudulentas, que reduziam a representação das oposições aos votos minguados dos raros municípios onde havia uma nascente cultura urbana, fruto de uma iniciante industrialização. A libertação dos escravos, a proclamação da República, a Semana da Arte Moderna de 1922, o realismo literário de escritores como Machado de Assis e Lima Barreto, o jornalismo de oposição, o tenentismo, o surgimento de editoras e livrarias, a abertura das primeiras universidades, a Revolução de 1930, os governos de Getúlio Vargas e Juscelino Kubistchek, o movimento pelas reformas de base até 1964, a redemocratização do país em 1984 constituíram etapas importantes do processo de modernização do Brasil. Mas essa evolução cultural encontrou fortes resistências dos segmentos conservadores, representantes de uma cultural rural e autoritária, que ao longo desse período vem se desgastando, pois não encontra apoio nas oligarquias agonizantes para sustentar-se. Mas, apesar do seu constante desgaste, a direita reacionária ainda se sustenta em segmentos sociais conservadores mal sintonizados ou refratários à cultura estimulada pelo processo de modernização da sociedade. Embora amortecida, essa ferida ideológica ainda tem forças para manifestar-se e eleger presidentes conservadores como Bolsonaro. Entretanto, atualmente essa direita, quando assume o poder, precisa fazer concessões à modernidade, como age atualmente o bolsonarismo, ao promover reformas econômicas liberais sintonizadas com os interesses empresariais, importantes para o desenvolvimento do país. Ou seja, o conservadorismo de Bolsonaro é forte com os fracos e fraco com os fortes. É liberal para atender as reivindicações dos empresários, mas conservador em relação aos movimentos sociais, culturalmente ricos, mas economicamente frágeis. Ideologicamente míope, mas fascinado porque vai prestar serviços na Casa Grande, em Brasília, o reacionário jornalista Sérgio Nascimento de Camargo encontrou seu ninho, onde fielmente cumprirá a agenda cultural conservadora do bolsonarismo, mas caminhará na contramão da modernidade, e seu estrelato será efêmero.

 

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