PUBLICIDADE

Incorporamos as tradições através da educação familiar, que reproduz a ética dominante no conjunto da sociedade. É na infância que se instala o núcleo de nossa personalidade, o nosso Registro de Identidade existencial, através do qual marcamos nosso comportamento ao longo da vida. Embora resistentes às mudanças do nosso modo de existir, as tradições incorporadas lentamente cedem espaço às novas tradições que se cristalizam principalmente nas novas gerações. E através desta dialética, as gerações revolucionárias de hoje transformam-se nas gerações conservadoras de amanhã. A renovação das tradições acontece através de transições conservadoras, que sustentam compromissos entre os antigos e os novos valores. É no passado que o futuro se inspira para realizar-se, vestindo o corpo das mudanças com roupas tradicionais. Ainda há segmentos obscuros da juventude brasileira adeptos da ditadura militar, um regime cruel que prendeu ilegalmente, torturou e matou muitos dos seus opositores em nome da liberdade. Muitas pessoas acreditam que atualmente vivemos menos que antes, contrariando os resultados das estatísticas, segundo os quais a população atualmente está se tornando cada vez mais idosa. Outros afirmam que morremos mais cedo do que antes porque ingerimos alimentos contaminados, enquanto antes a alimentação mais pura estimulava o maior índice de vida. Essas pessoas que assim pensam desconhecem que antes a produção alimentar era insuficiente para todos, escassez que causava a morte da população de baixa-renda por fome ou alimentação inadequada. E além dessa insuficiência, os alimentos estavam contaminados por fungos e bactérias nocivos à vida, e involuntariamente ingeridos quando as pessoas se alimentavam. É comum dizer-se que a nossa juventude está perdida pelo uso das drogas, mas quem usa drogas é a minoria dos jovens, pois a maioria está integrada à nossa sociedade, ansiosa para cursar faculdades e à procura de empregos mais qualificados e rendosos. Os nostálgicos do passado idealizado, afirmam que a violência urbana tomou conta da vida contemporânea, mas se esquecem de que no passado a violência era institucionalizada. Um exemplo dessa institucionalização da violência foi a legalidade da escravidão, considerada apenas uma forma de trabalho. Outros saudosistas afirmam que antes a mulher estava no seu lugar adequado à sua natureza feminina, ou seja, era a rainha do lar, e não concorria com o trabalho do homem fora de casa. Entretanto, esses saudosistas não consideram que a mulher foi integrada ao trabalho nas fábricas e depois nas empresas por iniciativa do sistema capitalista, pagando um salário inferior ao dos homens. Outros exemplos dessa persistência da visão conservadora da vida poderiam ser incluídos, mas os assinalados demonstram como pessoas acomodadas à modernidade da nossa sociedade pensam segundo critérios conservadores, vigorantes em épocas passadas. E com esse conservadorismo freiam a evolução estrutural da coletividade à qual pertencem. Essas visões conservadoras transformam-se em estruturas sedimentadas na personalidade dos conservadores e impedem sua integração aos novos valores que mobilizam o desenvolvimento, e resultam em conflitos inseridos no quotidiano da sociedade. Mas essa contradição entre a ética conservadora e a renovadora introduz-se na personalidade dos saudosistas, e muitas vezes explodem em forma de manifestações coletivas, que podem tomar conta das ruas. Tornam-se conflitos éticos sintetizados em coletivas insatisfações políticas ou sociais, exacerbadas por circunstâncias momentâneas, mas movidas por insatisfações mais inconscientes. Recentemente, manifestações coletivas que tomaram conta das ruas das principais cidades da Bolívia, Chile, Venezuela, Espanha, Líbano, Inglaterra são consequências diretas de impasses políticos, mas ocultam insatisfações mais amplas que algumas vezes antagonizam ideologias conservadoras e modernizantes, inseridas no inconsciente coletivo da população que clama pela libertação individual das incômodas tradições incorporadas.

 

PUBLICIDADE