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O melhor de nós pode surgir em nossos momentos de crises existenciais, provocadas por circunstâncias difíceis, que despertam o sofrimento e o desespero. Nessas ocasiões, quando as dificuldades tempestuosas desabam sobre nós, a vida perde o sentido, os abalos emocionais nos sufocam, provocando a necessidade do amparo de quem nos é solidário. Entretanto, se no auge do desespero conseguimos respirar fundo, nossas forças emocionais escondidas no inconsciente despertam do seu sono letárgico e transformam-se em resistências poderosas que nos levantam da prostração. Começamos a compreender então que o limite de uma dor é uma dor maior, e as nossas dores são relativas, menores que as dores suportadas por milhares de sofredores espalhados pelo planeta. Essa relativização de nossas dores limita nossos sofrimentos a suas dimensões reais, e serão superados através do despertar da nossa consciência para a existência do próximo, que ao nosso lado padece de sofrimentos maiores. Este nosso sentimento de solidariedade ao próximo, que nos aproxima das dores do mundo e demonstra-nos que não somos os únicos viventes a sofrer, está alojada naquela nossa força interior oculta no inconsciente. Mas essa força que nos protege e pode nos agigantar diante de nossas tragédias só existe se a cultivarmos ao longo da nossa existência, pois se ao contrário desse cultivo solidário semeamos ventos, colheremos tempestades. Semear ventos nos abrutalha, mas cultivar a solidariedade nos humaniza. E para que este humanismo se multiplique em nosso interior, é necessário cultivá-lo desde a nossa infância e prolongá-lo durante toda nossa existência, pois cultivado ele se multiplicará em nosso interior, tornando-nos um vivente solidário com o conjunto da humanidade. Esse humanismo está ao alcance de todos nós, disponível ao longo das civilizações, e exposto nos sistemas filosóficos e religiosos produzidos pelos povos que nos antecederam, e propalados por filósofos e profetas. Mas como todo trigal, esses sistemas estão misturados ao nocivo joio, cujo inadvertido consumo envenena nossos corações e apequena nossa existência. As civilizações anteriores à nossa produziram inúmeros sistemas religiosos e filosóficos de acordo suas diversificadas culturas, com advertências e orientações para que os viventes seguissem os princípios humanos e evitassem as falsas promessas de redenção humana destiladas pelos agentes da mesquinhez e do egocentrismo, fontes dos constantes sofrimentos da humanidade. Atualmente, vivemos em uma sociedade permeada pelas ciências e tecnologias, que nos proporcionou um bem-estar jamais imaginado nas sociedades pretéritas. Desfrutamos de liberdades antes impossíveis devido aos sistemas de dominação das minorias privilegiadas sobre a imensa maioria das sociedades. Temos uma amplitude de valores humanos produzidos por inúmeros sistemas religiosos e filosóficos, que minoraram nossos sofrimentos. Entretanto, continuamos sofrendo e padecendo de crises existenciais contundentes, que em certas circunstâncias fazem a vida perder o rumo e o sentido. Nesta sociedade multiplicamos nossos conhecimentos, e também as nossas responsabilidades. Os existencialistas afirmam que somos responsáveis pelos nossos caminhos, e que depende substancialmente de cada um de nós ser ou não feliz nesta sociedade. É evidente que nesta sociedade a riqueza produzida pelo trabalho ainda é mal distribuída, estando concentrada nas mãos de minorias privilegiadas, e negada para a imensa maioria da população. É também evidente que essa sociedade gerou uma mentalidade coletiva consumista, de consumo do supérfluo e não dirigida para a solução do conjunto da população. Mas essa mesma sociedade produz uma cultura humanista, libertária e solidária jamais ao alcance das maiorias nas sociedades pretéritas. Entretanto, esse valioso patrimônio cultural é desdenhado pela maioria dos viventes, mais preocupados em consumir supérfluos do que desenvolver sua personalidade solidária e inclusiva, que viva as dores do seu vizinho e o ampare quando em dificuldades. Na África e na Ásia crianças morrem de fome, e populações inteiras de famintos não conseguem empregos que patrocinem seu bem-estar. Enquanto não tivermos olhos para a precariedade dessas existências, quando padecermos de dores insuportáveis, não haverá em nosso inconsciente aquela força solidária que nos ampare dos sofrimentos existenciais, tão comuns em nossa sociedade. Ou seja, não teremos o melhor de nós em nosso interior.

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