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O mais eficiente recurso para despertar o desejo é proibi-lo de manifestar-se. O livro proibido pelo prefeito do Rio de Janeiro, por trazer impresso uma cena de beijo entre parceiros homossexuais despertou nos frequentadores da Bienal do Livro um incontido desejo de conhecê-lo, e sua venda esgotou-se rapidamente. A eficiência da proibição só funciona nos regimes ditatoriais, dotados de um rígido sistema de repressão que coloca em risco a vida dos opositores. Mas nas democracias a proibição arbitrária de um desejo legalmente garantido é ineficiente, pois se esse desejar está amparado pela Constituição, proibir torna-se um ato arbitrário do poder que o gerou. Autoritário e dogmático, o prefeito Marcelo Crivela excedeu em seus poderes constitucionais ao interferir arbitrariamente no direito de divulgação de uma cena polêmica, mas legalizada, e portanto com direito de ser exposta ao público, a quem cabe a decisão de aceitá-la ou vetá-la. Essa compulsão para proibir a manifestação de um ato amoroso entre dois homossexuais pelo prefeito carioca decorre da sua ética fundamentalista, desconectada da cultura da sociedade contemporânea, resultante de uma lenta evolução ocorrida a partir do Renascimento no século 16, divulgada pelo Iluminismo do século 18, ampliada pelo racionalismo no século 19, e que se consolidou em nosso século entre os segmentos mais esclarecidos da nossa sociedade. Um dos fundamentos da cultura contemporânea é a Psicanálise, ciência desenvolvida por Sigmund Freud, que demonstrou através da teoria do “retorno do proibido”, como um desejo reprimido no consciente de um indivíduo se aloja em seu inconsciente, e retorna como desejo de impedir que os outros manifestem seu próprio desejo reprimido. O criativo escritor brasileiro, Machado de Assis, revela em seu romance Memórias Póstumas de Brás Cubas um exemplo de como funciona “o retorno do reprimido”. Conta nessa obra como Prudêncio, um escravo libertado pelo seu proprietário, quando livre comprou um escravo, surrando-o constantemente por motivos fúteis. Ou seja, brutalizado pelas surras que levou enquanto escravo, Prudêncio reprimiu em seu inconsciente essa violência, e quando teve oportunidade de descarregá-la em alguém, realizou seu desejo reprimido. Segundo a cultura psicanalista, o retorno do desejo reprimido explica a compulsão para proibir de uma autoridade como o fundamento de suas decisões de proibir o que seu próprio inconsciente deseja praticar. Embora generalizada, esta teoria muitas vezes se confirma quando se investiga as origens das personalidades autoritárias, nas quais a vontade de proibir constitui um ingrediente valorizado, extensivo à sua formação cultural conservadora. Nestas circunstâncias, o conservadorismo dessas autoridades serve como resistência cultural à sua rejeição dos fundamentos da cultura contemporânea, cujos conteúdos salientam as contradições do homem moderno em uma sociedade pluralista e democrática, e apontam para os critérios racionais de sua superação. Se o prefeito carioca que proibiu a divulgação de um livro que seu fundamentalismo repele, governasse em uma ditadura, sua compulsão proibitiva seria louvada como um ato moralizador, em defesa dos velhos costumes e das tradições autoritárias das sociedades pretéritas à nossa. Mas como aconteceu em um momento histórico de vigência da democracia em nosso país, sua proibição foi um tiro que saiu pela culatra. O livro proibido foi amplamente procurado pelo segmento mais esclarecido da sociedade brasileira que não teme estar diante do seu próprio “retorno do reprimido.” Mas essa proibição foi um alerta de que parcelas dos integrantes que assumiram cargos de direção do país recentemente caminham na contramão da modernidade, e se fortalecidos pelos votos dos segmentos mais conservadores da nossa sociedade poderão anular temporariamente os avanços da democracia e da liberdade individual no Brasil.

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