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A vida interpreta a arte, pois somos todos artistas, vivencialmente nos interpretando. Tenho consciência de que me interpreto, pois cultivo uma imagem idealizada do que sou. Considero-me, portanto, uma invenção do que pretendo ser, e nem sempre sou. A atriz Bibi Ferreira afirmou que seu pai era um consagrado ator porque no cotidiano ele se interpretava, mas no palco agia com naturalidade, como ele realmente era, e com essa espontaneidade incorporava os personagens que interpretava na peça em andamento. E para comprovar esta sua visão do pai, afirmou que em sua casa havia um espaço que funcionava como um restaurante, onde Procópio Ferreira oferecia jantares aos amigos íntimos. Nessas ocasiões festivas, administrava pessoalmente cada detalhe da recepção. Vestido de garçon, e munido de um cardápio navegava solenemente entre as mesas dos convidados para que escolhessem o que desejavam jantar, e assim permanecia durante todo o evento. Porém, quando estava no palco despia-se de sua própria interpretação e se entregava ao personagem interpretado. E suas interpretações eram marcantes porque não travava o desempenho de quem incorporava, pois estava aberto a esse personagem. Neste sentido, a mediunidade praticada nos centros espíritas é um exemplo emocionante da arte de se interpretar. Quem recebe os espíritos é um ator que no cotidiano se interpreta de médium, e nas sessões espíritas interpreta o espírito que incorpora. Nas sessões psicanalíticas, muitos pacientes revelam essa dualidade de identidade sufocada no inconsciente, e uma das razões de suas neuroses decorre do desconhecimento consciente do atrito entre essas vertentes existenciais interiores. E assim caminha a humanidade, interpretando-se a si mesma, mas conscientemente desconhecendo essa dicotomia interior.
Os artistas são personalidades singulares porque vivem sua dualidade interior deixando-a mais livre para que se manifeste no cotidiano, e através desta estratégia de vida são criativos, e podem expressar sua arte com espontaneidade sem gerar conflitos interiores dilacerantes. Quando Eliane, secretaria do prefeito, mostrou-me minha caricatura criada pelo artista Vinícius de Campos Batista, imediatamente identifiquei-a comigo, e com alegria e admiração afirmei: “-Este sou eu.” Identificar-se com a própria caricatura é uma empatia entre a maestria do artista criador e a sensibilidade do caricaturado. É uma generosa relação de compartimento e solidariedade decorrente da liberdade interior de ambos, que superam seus limites ditados pelo senso comum dominante no cotidiano coletivo, e caminham em uma dimensão estética mais ampla da vida. Vinícius desenha desde a infância, logo que aprendeu a expressar em linhas e traços sua concepção estética da vida, acentuada agora em sua criativa juventude porque abriu as comportas da imaginação ao seu gênio artístico interior. Esta evolução do despertar de um artista resulta de suas qualidades inatas, mas foi acentuada pela liberdade que o ambiente familiar proporcionou, ao estimular Vinícius a trilhar por esse caminho iluminador. A arte da caricatura é uma análise intuitiva da personalidade do caricaturado, mais significativa do que uma fotografia obtida nas poses estudadas dos fotografados. Quando entendida e aceita pelo caricaturado, a caricatura bem traçada é um complemento da psicanálise, ciência humana que solapa nossas resistências conscientes e revela-nos a multiplicidade da nossa personalidade. Se você deseja saber melhor quem é, Vinícius revela.

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