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A História consagrou o termo primitivo para definir a vida humana em sua fase arcaica, quando os povos viviam em grupos nômades espalhados pelas florestas. Mas a Antropologia Cultural, que estuda os povos primitivos ainda sobreviventes, define essas formações sociais como povos tribais ou povos das florestas, pois considera o termo primitivo preconceituoso, e desconsidera a complexidade de suas culturas. O sociólogo Florestan Fernandes estudou a sociedade tupinambá, formada por povos da floresta que habitavam o litoral brasileiro, e revelou como sua cultura sustentava a vida social dessas organizações sociais. Entre as suas manifestações culturais, o sociólogo brasileiro destacou a função social da guerra entre as tribos tupinambá, e escrevo tupinambá e não tupinambás porque os antropólogos consideram os povos das florestas como uma unidade coletiva, e ainda pouco individualizada. Em suas guerras, os tupinambá não visavam tomar a posse do território da tribo vizinha, mas fazer prisioneiros, que seriam posteriormente sacrificados nos rituais de iniciação. Nesses rituais, um jovem tupinambá deveria sacrificar o prisioneiro para iniciar sua vida de guerreiro da tribo. Mas o ritual só se confirmava se o prisioneiro demonstrasse bravura e não temesse a morte, pois se ele chorasse ou implorasse pela própria vida seria considerado um covarde, e devolvido à sua tribo, onde não o aceitavam, pois maculou a honra coletiva. Mas se o prisioneiro demonstrasse na hora da morte ser um valente guerreiro, seu sacrifício deveria ser honrado pela sua tribo, obrigada a declarar guerra à tribo ofensora para aprisionar seus guerreiros e sacrificá-los no ritual de iniciação, que confirmaria o surgimento de novos guerreiros na coletividade. A função da guerra entre os tupinambá era reproduzir guerreiros, um tipo social fundamental para manter a continuidade da vida tribal, pois todo guerreiro era também um caçador, cuja atividade alimentava a tribo. Os tupinambá incluíam em sua cultura a prática do canibalismo, uma manifestação cultural que fazia parte do ritual de sacrifício do inimigo e de iniciação de um novo guerreiro na tribo. Segundo a cultura tupinambá, quem devorasse a carne do adversário sacrificado, adquiria suas qualidades de bravo guerreiro, demonstrada em seu sacrifício. E, através da guerra e do canibalismo, a tribo estimulava o surgimento e a sobrevivência do guerreiro, um tipo social sem o qual a sociedade tupinambá não sobreviveria. Horrorizados com as guerras tribais e o canibalismo dessas tribos, os piedosos jesuítas, que vieram à colônia sul-americana para cristianizar índios e colonos, iniciaram uma paciente obra de aculturação dos tupinambá, que incluía a substituição do guerreiro por um tipo social pacificado. Nas tribos onde prevaleceu a eficiência da catequização jesuítica, essas formações sociais se dissolveram, pois a substituição repentina de uma prática cultural secularmente sedimentada por outra recentemente adquirida, motiva uma profunda crise de identidade do tecido social dominante. Nessas tribos parcialmente aculturadas pelos jesuítas, a dissolução da crença no valor da bravura guerreira resultou no afrouxamento dos demais traços culturais que uniam a sociedade tupinambá, e em muitas dessas sociedades resultou em sua dispersão. Muitos índios aculturados pela catequese jesuítica sobreviveram como mão de obra dos colonizadores, ou se tornaram deslocados párias sociais na sociedade colonial brasileira.
A vida primitiva da humanidade, mesmo em suas fases mais arcaicas, não foi destituída de cultura. O chamado homem das cavernas deixou-nos sua rica herança cultural, como a pintura muralista executada no interior de muitas grutas, e os fueguino, um povo seminômade que habitava a região gelada da Patagônia, embora vivessem nus, faziam fogueiras e trançavam rudes farpas de fios, que serviam de adereços. Considerar primitivo, bárbaro ou inferior uma cultura menos desenvolvida é preconceito cultural historicamente enraizado nas sociedades humanas. Os hebreus consideravam gentios os povos vizinhos, os gregos e romanos denominavam os demais povos de bárbaros, e nós, ocidentais, cientificamente desenvolvidos, consideramos atrasados ou culturalmente inferiores os povos que nos antecederam. E se no futuro este preconceito etnocêntrico continuar prevalecendo, como nossa civilização será considerada pelos povos que nos sucederem na esteira da História?

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