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Saudade é um sentimento decorrente da solidão. Surge quando sentimos solitários e saudosos de alguém muito amado, ou de situações felizes desfrutadas no passado. Saudade é a busca do passado bem vivido, como lamenta o poeta que compôs o samba A Saudade Mata a Gente Morena, e manifesta-se como dor pungente. Saudade também pode ser um compromisso existencial ou filosófico com o passado, como surge no conjunto de romances Em Busca do Tempo Perdido, escrito por Marcel Proust. Saudade é um sentimento inerente à condição humana, incorporado definitivamente em nossa existência, pois somos os únicos animais que sentem saudade. Saudade é consciência aguda do irrecuperável de um relacionamento afetivo desfeito, como está no trecho da música de Chico Buarque, “Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu.” Saudade é o desejo inconsciente de retornar ao conforto e à proteção desfrutada na fase fetal da nossa vida, tão bem analisada por Freud quando teoriza sobre o desejo instintivo de retorno ao útero materno. Saudade é o sentimento que nos humaniza, colocando-nos diante dos limites da vida, e corrige nossos rompantes de onipotência e de megalomania. Ter saudade de quem já morreu confirma a rotatividade da vida, e revela a presença da solidariedade ao próximo em nossa existência. Ter saudade é o sentimento inspirador dos artistas e escritores, que se expressam através de suas artes cênicas, pictóricas ou literárias. O baiano que ao chegar ao Rio de Janeiro, canta “Ai que Saudade Eu tenho da Bahia”, é um sentimental saudoso de suas tradições, e encontra nesse verso o seu consolo. E, cantando, aproxima-se dos artistas e escritores que criam suas artes como elevação da própria saudade à condição de sentimento solidário e universal. Passageira ou eterna enquanto vivemos, a saudade de um amado que nos deixou manifesta-se como uma vida em outra dimensão, onde o vazio existencial da solidão e do desamparo é preenchido pelos sonhos diurnos recuperadores da existência de quem um dia nos deixou. O poeta Fagundes Varela escreveu o poema Cântico do Calvário, do qual se destaca a estrofe “correi, correi, oh! Lágrimas saudosas”, para preencher a saudade vivificadora do filho falecido. E com essa criação literária retemperou suas forças afetivas que o auxiliaram a suportar a passagem desse transe emocional próprio de quem ama. Saudade é a confirmação do amor que sentimos por alguém ou por um momento nostálgico recuperador da felicidade perdida. Atire a primeira pedra quem jamais sentiu saudade. Mesmo o psicótico agressivo e irrecuperável tem saudade de suas sandices perpetuadas por sua megalomania construída por grandezas ilusórias. Embora já derrotado, o megalomaníaco Adolf Hitler não admitiu sua derrota, e continuou iludindo-se com seu plano de criar uma Alemanha liderada pela etnia ariana, que dominasse os demais povos. Ou seja, foi a saudade de um projeto inicial que o manteve vivo, até o momento em que, percebendo a ruína do seu efêmero império, fugiu dessa realidade suicidando-se. Saudade é vida, que evita o desespero supremo da desumanização: -o suicídio. Ao intuir sobre a relação íntima entre os sentimentos de saudade e de suicídio, um psiquiatra de sutil bom humor afirmou: “-O suicídio é um sentimento que tem ajudado o sofredor a suportar noites terríveis, e continuar vivo ao amanhecer.” Isto é, a tentativa de suicídio pode ser o último elo com a saudade, mas ainda assim um elo favorável à vida. Ou se alguém considerar tudo isso muito complicado, remeto-o à opinião simplificada da saudade, emitida por um sossegado caboclo mineiro: “-Ué, saudade é vontade de ver de novo.” E para completar este artigo, lembro-me de um pensador misógino que confirma a lenda de Narciso, herói grego apaixonado por sua imagem: “-Jamais amei alguém, e, portanto, não tenho saudade de ninguém, restando-me ter saudade de mim.”

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