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A Psicanálise é uma ciência relativamente recente. Despontou no final do século 19, através das pesquisas pioneiras do médico Sigmund Freud, e robusteceu-se nos anos 30 do século passado, tornando-se uma ciência respeitada principalmente nos segmentos da classe média europeia. A pedra angular da Psicanálise é o Inconsciente, uma estrutura reprimida pelo nosso Ego, agente do Superego que representa a cultura dominante. Deste conflito surgem as neuroses expressas através do nosso Ego. Segundo Freud, o Inconsciente é formado pelos instintos básicos de cada indivíduo, que desejam expandir-se livremente, independente dos valores morais dominantes. Reprimidos, os Instintos rompem as barreiras da censura, mas surgem em nossa consciência através de manifestações neuróticas. Neste sentido, as neuroses são frutos dessa batalha íntima do vivente, mas suas manifestações conscientes mutilam a sanidade do indivíduo, e rompem o equilíbrio da personalidade do neurótico. Essa batalha íntima entre os instintos primários e o Superego, representante da cultura dominante, começa na tenra idade da criança. Para explicar a origem deste conflito, Freud desenvolveu a teoria do Complexo de Édipo, segundo o qual os instintos da criança requerem sua satisfação libidinosa incondicional em relação a um dos pais, e desejam eliminar um dos atores desse relacionamento. E quando essa gratificação demonstra-se irrealizável, a criança procura soluções alternativas para essa frustração, mas que não satisfazem plenamente suas exigências instintivas. Insatisfeita, a criança torna-se neurótica, ou seja, elabora uma vida fantasiosa, e cada vez mais distante da sanidade. Para Freud, a plena satisfação instintiva é incompatível com a civilização, e quanto mais civilizados, os viventes tornam-se mais neuróticos, sendo a neurose um compromisso entre os instintos e a vida civilizada. E para evitar a neurose, o indivíduo moderno necessita sublimar seus instintos, transformando-os em cultura. Segundo essa teoria, a Psicanálise consegue a normalidade do indivíduo, analisando a origem de sua neurose para torná-lo consciente da necessidade dessa adaptação.

Respaldados nos ensinamentos primordiais de Freud, outras escolas psicanalistas elaboraram novas bases teóricas para explicar a origem e a cura das neuroses. Destas escolas, a mais promissora foi a de orientação Culturalista, que substituiu as formulações freudianas baseadas nos instintos primordiais, pela ênfase alicerçada no conflito entre o Eu do indivíduo e a cultura dominante na sociedade onde vive. De acordo com os culturalistas, todo indivíduo possui um núcleo básico conhecido como o “Eu real”, que em condições normais desenvolve-se saudavelmente através dos embates com a realidade. Mas quando a criança vive em um ambiente familiar desfavorável ao seu desenvolvimento, elabora reações neuróticas para sobreviver, e que posteriormente envolverão toda sua personalidade. Embora alicerçada em premissas teóricas diferenciadas daquelas de Freud, a terapia culturalista também é um critério de fortalecer o indivíduo neurótico para recuperar sua sanidade perdida, adaptando sua personalidade à cultura dominante na sociedade onde vive. Freud e o culturalistas, como Karen Horney, são cientistas liberais, críticos dos valores éticos da nossa sociedade, mas não revolucionários preocupados em curá-la de suas neuroses coletivas, muitas das quais são consensos coletivos, e portanto considerados como normais ou mesmo saudáveis. Como resultado prático dessa visão da psicanálise, no consultório os psicanalistas centram sua terapia no paciente e não nas condições sociais negativas que geraram suas neuroses. Crítico desta tendência conservadora da psicanálise, o psicanalista de orientação antropológica, Erich Fromm desenvolveu uma crítica radical dos fatores sociais que favorecem o desenvolvimento neurótico do indivíduo. Toda produção teórica de Fromm, publicada em livros como Psicanálise da Sociedade Contemporânea, o Medo à Liberdade, Análise do Homem, A Arte de Amar, O Coração do Homem, Meu Encontro com Marx e Freud, O Conceito Marxista do Homem, expõe seu pensamento crítico e radical não apenas sobre a nossa sociedade, mas também das estratégicas terapêuticas da Psicanálise, centradas no indivíduo e não na sociedade. De formação humanista, Erich Fromm propõe a formação de uma ciência humana holística e radical, que associe Freud a Marx, e estabelece como critério para a cura das neuroses a transformação não só do indivíduo, mas também da sociedade capitalista, que resultaria em um sistema favorável à realização das potencialidades humanas. Assimiladas pelos movimentos contraculturais nas décadas de 60 a 80 do século passado, as teorias radicais de Erich Fromm atualmente continuam vivas apenas nos diminutos círculos intelectuais críticos do capitalismo contemporâneo. Mas o conjunto da nossa sociedade ignora esse radicalismo, e define a Psicanálise como a ciência da cura das neuroses dos pacientes praticada nos consultórios dos psicanalistas.

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