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Neurose e Desenvolvimento Humano é um esclarecedor livro escrito pela psicanalista Karen Horney nos meados do século passado, mas mantém-se atual, pois esmiúça nossos conflitos emocionais e mostra os caminhos para superá-los. Inicialmente, segundo Horney, nascemos com potencialidades que em condições favoráveis promovem o desenvolvimento sadio do nosso Eu, mas quando a criança convive em um meio social desfavorável desenvolve uma personalidade neurótica. A neurose é um recurso que o vivente adota como tentativa de superar seus conflitos íntimos, mas posteriormente este intruso envolve toda a sua personalidade, sufoca o seu Eu real, e requer a satisfação de suas próprias soluções. Então, o indivíduo começa lentamente a ceder espaço em seu interior para o seu Eu idealizado, uma fantasia irrealizável, mas que promete ao neurótico a paz interior tão solicitada. Em seu desenvolvimento, o Eu idealizado lentamente necessita atingir a glória, repleta de projetos de vida irrealizáveis, tal é a perfeição humana que pretende alcançar. Para essa conquista da glória, o Eu idealizado faz exigências neuróticas descabidas ao já fragilizado Eu real. Essas exigências robustecem-se através da tirania do dever, uma trama inconsciente que obriga o indivíduo a seguir normas de conduta rígidas, irrealizáveis para qualquer ser humano. E para solidificar essa tirania do dever, o Eu idealizado desenvolve o orgulho neurótico, um sistema ético que envolve toda a personalidade do neurótico. E quando o Eu idealizado não consegue atingir as próprias metas, desenvolve um sistema de desprezo por si mesmo, que afasta o neurótico ainda mais do seu Eu real. Essas exigências interiores tornam-se insuportáveis para o neurótico, que lança mão de medidas gerais para aliviar a tensão. Entre estas estratégias estão as soluções expansivas, através da sedução do domínio. Quando predomina esta tentativa de solução, o Eu idealizado do neurótico pretende consolidar o domínio sobre as demais pessoas, como forma de mantê-las controladas e distantes de si. Quando predomina a solução autoanuladora, o neurótico elege o amor como o caminho de sua paz interior. E neste caso, torna-se morbidamente dependente de outras pessoas, que se transformam em seu auxiliar mágico, com capacidade para ampará-lo e resolver seus conflitos interiores. A terceira tentativa de solução do neurótico é a sedução da liberdade, através da qual o neurótico pretende alhear-se da sociedade onde vive, e manter-se em uma redoma de tranquilidade. Mas como nenhuma destas soluções idealizadas se completa, o neurótico vive não apenas perturbado por seus conflitos interiores, mas também encontra sérias dificuldades nas relações humanas, pois o fracasso de realizar seu Eu idealizado é exteriorizado e a responsabilidade recai sobre as pessoas com quem convive. O expansivo não consegue dominar as pessoas do seu convívio, nem o dependente mórbido encontra o seu auxiliar mágico perfeito, ou o resignado consegue o distanciamento do mundo suficiente para viver em paz.

Paralelamente a este enredo da caminhada da neurose, Karen Horney dialeticamente demonstra também como o sufocado Eu Real do indivíduo renasce lentamente em sua luta contra o Eu Idealizado, e pode devolver a sanidade existencial do neurótico. Neurose e Desenvolvimento Humano desenvolve-se como se o leitor participasse das sessões psicanalistas, e através de uma narração viva e envolvente demonstra que a neurose que se apodera da personalidade dos indivíduos pode ser desmontada através do processo psicanalítico, que fortalece lentamente o Eu Real do indivíduo para retomar seu lugar na personalidade do analisado. Esta obra é uma peça envolvente e dramática, e depois de ler os capítulos onde o vilão da história –O Eu Idealizado- parecia ganhar a batalha pela posse do indivíduo, finalmente o Eu Real ressurge fortalecido pela luta que levou à sua libertação.
Ao longo desse livro, a autora revela-se como analista culturalista, e analisa suas divergências teóricas com o pensamento freudiano, proporcionando ao leitor uma lúcida visão de como a psicanálise original passou por várias evoluções teóricas que contribuíram para a sua adequação às mudanças culturais ocorridas na sociedade contemporânea.

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