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Considerado pessimista pelo senso comum, o filósofo romeno Emil Cioran é um pensador lúcido, que sabe penetrar nas intimidades da natureza humana. Cioran escreveu obras célebres, mas se expressa também através de aforismos, construídos com frases curtas, que valem por um tratado filosófico, pois são impiedosamente contundentes ao desnudar nossas mais acalentadas ilusões. Certa vez escreveu que “o limite de uma dor, é uma dor maior.” E, então, como ficamos diante de nossas dores íntimas, se sua superação está na dependência de dores maiores? As dores mobilizam as angústias, sentimentos inerentes à nossa existência, que impulsionam a vida humana, convidando-nos a solucionar seus intrigantes enigmas. Filósofo da existência, Jean Paul Sartre coloca a angústia no centro de sua filosofia, afirmando que ela é o nosso maior desafio, e ao longo da vida se reproduz vorazmente, colocando-nos sempre diante de novos enigmas. Existencialista, Sartre, ao colocar o racionalismo lógico de Cioran na dinâmica da vida, liberta-nos da prisão perpétua que o filósofo romeno nos coloca. Ao substituir o método lógico de Cioran pela metodologia dinâmica da dialética, Sartre demonstra que a dor não se encerra na perpétua alternativa entre uma dor menor e uma dor maior, pois abre-nos a perspectiva de entender nossas dores como os sinais do parto que anunciam a eminência do nascimento de uma nova fase em nossa vida. Para Sartre, as dores da angústia produzem nossa liberdade, pois ser livre resulta da busca incessante da nossa autenticidade, única, individual.
Regidos pelos instintos, os animais vivem harmoniosamente integrados à natureza, reagindo de acordo com suas regras. Os humanos, entretanto, possuem um sistema instintivo frágil e insuficiente para a sua sobrevivência, mas são dotados da Razão, uma qualidade exclusivamente humana, determinante em sua dinâmica relação com a natureza.

A Razão coloca esse relacionamento como um desafio consciente, ao demonstrar que somos seres separados da natureza, mas necessitamos adaptar-nos ao meio como garantia da nossa sobrevivência. É a consciência desse isolamento que produz a angústia humana diante de nossa solidão na existência, e força-nos a procurar novos laços de unidade com a natureza. A evolução histórica da humanidade resulta dos diferentes critérios culturais para encontrar adaptações cada vez mais racionais à nossa existência. Os demais animais não se angustiam porque seus poderosos instintos adaptaram-se às exigências da natureza, e os humanos são angustiados porque, destituídos de fortes aparatos instintivos, recorreram à Razão para sobreviver. Atributo exclusivo da humanidade, a Razão constitui tanto sua força como sua fraqueza perante a existência. Se dotados apenas de nossos instintos, teríamos sido extintos nas fases iniciais de nossa história primitiva. Embora frágil, nossa Razão é um processo histórico que se realiza no processo civilizatório, e adquire forças ao longo das civilizações. Nossos ancestrais primitivos estavam diluídos nas forças da natureza, pois nessa fase da nossa existência a Razão era frágil para criar uma visão de mundo regida pela racionalidade, como está acontecendo atualmente. Para sobreviver, os primitivos criaram os mitos como critério de interpretação da existência, e nós, mais civilizados, criamos as ciências. Mas em ambas as fases da nossa evolução, adquirimos uma interpretação da vida e do mundo através da Razão. É a evolução histórica da Razão que condiciona nossas angústias: irracionais no período primitivo, e mais racionais na sociedade contemporânea. Frágil naquele período e robustecida em nossa época, a Razão carrega consigo o sentimento de nossa solidão diante da natureza, fonte de nossas angústias, e prova de que a angústia é inerente à condição histórica da humanidade. E para avaliar como a angústia nos atormenta, nada melhor que ler Angústia, romance de Graciliano Ramos

Gilberto Radicce

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